À medida que preenchemos nossos dias com mais e mais afazeres, muitos de nós estão descobrindo que não parar não é o ápice da produtividade. É seu inimigo.
Pesquisadores estão mostrando não apenas que o trabalho que produzimos no final de uma jornada de 14 horas é de pior qualidade em comparação com o que fazemos quando estamos descansados. Esse padrão de trabalho também prejudica nossa criatividade e nossa cognição. Com o tempo, pode nos fazer sentir fisicamente doentes – e até, ironicamente, dar a sensação de vivermos sem propósito.
Pense em um trabalho mental como se fossem flexões, diz Josh Davis, autor de Two Awesome Hours (As Duas Horas Incríveis, em inglês). Digamos que você queira fazer 10 mil flexões. A maneira mais "eficiente" seria fazer todas de uma vez, sem pausa. Sabemos instintivamente, porém, que isso é impossível. Em vez disso, se fizéssemos apenas algumas de cada vez, entre outras atividades e ao longo de semanas, atingir esta meta seria mais viável. "O cérebro é muito parecido com um músculo nesse sentido", escreve Davis. "Em condições erradas e com trabalho constante, realizamos pouco. Com as condições certas, há poucas coisas que não somos capazes de fazer."
Os efeitos do excesso de trabalho na saúde
Muitos de nós, porém, tendem a pensar no cérebro não como um músculo, mas como um computador: uma máquina capaz de trabalho constante. Isso não é apenas mentira, mas nos forçar a trabalhar por horas seguidas sem descanso pode ser prejudicial, dizem especialistas.
"A ideia de que você pode estender indefinidamente seu foco e produtividade está errada. É autodestrutivo", diz o pesquisador Andrew Smart, autor do Autopilot (Piloto Automático, em inglês). "Se seu corpo está dizendo 'preciso de uma pausa', mas você continua se esforçando, a resposta a este estresse torna-se crônica – e, com o tempo, pode ser extremamente perigosa."
Uma análise comparada de diversos estudos descobriu que longas jornadas de trabalho aumentam o risco de uma pessoa ter uma doença coronariana em 40% – quase tanto quanto fumar (50%).
Outro estudo descobriu que pessoas que trabalham por muitas horas têm um risco significativamente maior de sofrer um acidente vascular cerebral, enquanto as pessoas que trabalham mais de 11 horas por dia têm quase 2,5 vezes mais chances de ter um episódio depressivo grave do que aquelas que trabalham de sete a oito horas.
No Japão, isso levou à tendência perturbadora de karoshi, a morte por excesso de trabalho.
Isso quer dizer que você deve tirar aquelas férias há tempos vencidas? A resposta pode ser sim. Um estudo com executivos e empresários na Finlândia descobriu que, ao longo de 26 anos, aqueles que tiraram menos férias tinham maior probabilidade de morrer mais cedo e de ter uma saúde pior na velhice.
Sair de férias também podem trazer benefícios à carreira. Um estudo com mais de 5 mil trabalhadores americanos com empregos de tempo integral descobriu que quem tira menos de dez dias de férias por ano tem menos chances de obter um aumento salarial ou um bônus do que quem tira mais de dez dias.
A relação entre produtividade e o tempo trabalhado
É fácil pensar que eficiência e produtividade são uma obsessão nova. Mas o filósofo Bertrand Russell (1872-1970) teria discordado.
"Diz-se que, embora um pouco de lazer seja agradável, os homens não saberiam como preencher seus dias se tivessem apenas quatro horas de trabalho", escreveu Russell em 1932, acrescentando que "isso não seria verdade no passado".
"Antes, existia uma capacidade de despreocupação e diversão que foi de certa forma inibida pelo culto da eficiência. O homem moderno pensa que tudo deve ser feito para o bem de outra coisa e nunca para seu próprio bem."
Dito isso, algumas das pessoas mais criativas e produtivas do mundo perceberam a importância de fazer menos. Eles tinham uma forte ética de trabalho, mas também se preocupavam em descansar e se divertir. "Trabalhe em uma coisa de cada vez até terminar", escreveu o escritor e escritor Henry Miller (1891-1980) em seus "11 mandamentos sobre a escrita". "Pare na hora marcada! Continue a ser humano! Encontre-se com pessoas, vá a lugares, beba, se quiser."
Até mesmo um dos "pais fundadores" dos Estados Unidos, Benjamin Franklin (1706-1790), um exemplo de diligência, dedicou grande parte de seu tempo ao ócio. Todos os dias, ele tinha duas horas de almoço, noites livres e uma noite inteira de sono.
Em vez de trabalhar sem parar como editor para pagar as contas, ele dedicava "um tempo enorme" a hobbies e à socialização. "Na verdade, os interesses que o afastaram de sua profissão levaram a muitas das coisas pelas quais ele é conhecido hoje, como inventar o fogão e o para-raios", escreve Davis.
Mesmo em nível global, não há uma correlação clara entre a produtividade de um país e a média de horas de trabalho. Com uma jornada semanal de 38,6 horas, por exemplo, o funcionário médio americano trabalha 4,6 horas por semana a mais do que o norueguês. Mas, segundo o Produto Interno Bruto (PIB), os trabalhadores da Noruega contribuem com o equivalente a US$ 78,70 (R$ 300,20) por hora – em comparação com os US$ 69,60 (R$ 265,50) nos Estados Unidos.
E quanto à Itália? Com uma média de 35,5 horas semanais de trabalho, se produz no país quase 40% a mais por hora do que na Turquia, onde as pessoas trabalham em média 47,9 horas por semana. Supera até mesmo o Reino Unido, onde as pessoas trabalham 36,5 horas.
Todos aqueles intervalos no trabalho, ao que parece, podem não ser tão ruins assim.
A origem da jornada de oito horas de trabalho
A razão pela qual temos oito horas de trabalho por dia foi porque as empresas descobriram que reduzir a jornada dos funcionários tinha o efeito inverso do que esperavam: aumentava a produtividade.
Durante a Revolução Industrial, os dias de 10 a 16 horas eram normais. A Ford foi a primeira empresa a experimentar oito horas – e descobriu que seus funcionários eram mais produtivos não apenas por hora, mas no geral. Em dois anos, suas margens de lucro dobraram.
Se os dias de oito horas são melhores que os de dez horas, jornadas ainda mais curtas podem ser melhores? Possivelmente.
Um levantamento do Instituto de Pesquisa Social e Econômica Aplicada de Melbourne, na Austrália, concluiu que, para pessoas com mais de 40 anos, uma semana de trabalho de 25 horas pode ser ideal para a cognição, enquanto a Suécia recentemente experimentou seis horas por dia e descobriu que a saúde e a produtividade dos trabalhadores melhoraram.
Isso parece estar relacionado à forma como as pessoas se comportam durante o dia de trabalho. Uma pesquisa com quase 2 mil trabalhadores de escritório em tempo integral no Reino Unido descobriu que as pessoas eram produtivas apenas por 2 horas e 53 minutos em um dia de oito horas.
O resto do tempo foi gasto checando redes sociais, lendo notícias, conversando sobre temas não relacionados ao trabalho com os colegas, comendo e até mesmo procurando novos empregos.
Podemos nos concentrar por um período de tempo ainda menor quando estamos no limite de nossas capacidades. Pesquisadores como o psicólogo K. Anders Ericsson, da Universidade de Estocolmo, na Suécia, descobriram que, quando fazemos um esforço para realmente dominar uma habilidade, precisamos de mais pausas do que imaginamos.
A maioria das pessoas só aguenta uma hora sem descanso. E muitos músicos, escritores e atletas de elite nunca dedicam mais de cinco horas por dia ao trabalho.
Outra prática comum entre eles? Existe uma "tendência crescente de tirar sonecas", escreve Ericsson – é uma maneira de descansar o cérebro e o corpo.
Outros estudos também descobriram que fazer pausas curtas em uma tarefa ajuda a manter o foco e continuar realizando um trabalho de alto nível. Não fazer pausas piora o desempenho.
A arte do descanso ativo
Mas "descanso", como alguns pesquisadores apontam, não é necessariamente a melhor palavra para o que estamos fazendo quando pensamos que não estamos fazendo nada.
Como já escrevemos anteriormente, a parte do cérebro que é ativada quando estamos "sem fazer nada", conhecida como rede neural de modo padrão (DMN, na sigla em inglês), desempenha um papel crucial na consolidação da memória e nossa capacidade de vislumbrar o futuro.
É também a área do cérebro que é ativada quando as pessoas estão observando os outros, pensando sobre si mesmas, fazendo um julgamento moral ou processando emoções de outras pessoas.
Em outras palavras, se essa rede fosse desligada, teríamos problemas para lembrar das coisas, prever consequências, captar interações sociais, compreender a nós mesmos, agir eticamente ou ter empatia com os outros – todas as coisas que nos tornam não apenas funcionais no local de trabalho, mas também na vida. "Isso ajuda você a reconhecer a importância das situações, a dar sentido às coisas. Quando você não consegue fazer isso, está apenas agindo e reagindo ao que acontece no momento", diz a neurocientista Mary Helen Immordino-Yang, pesquisadora do Instituto de Criatividade e Cérebro da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.
Também não poderíamos ter novas ideias ou fazer novas conexões. Local onde nasce a criatividade, a DMN é ativada quando você faz associações entre assuntos aparentemente não relacionados ou tem ideias originais.
É também o lugar onde seus momentos de "iluminação" se escondem – o que significa que se, assim como Arquimedes, você teve uma boa ideia enquanto estava no banho ou em um passeio, deve agradecer à sua biologia.
Talvez o mais importante de tudo seja que, se não tivermos tempo para voltar nossa atenção para dentro de nós, perdemos um elemento crucial para a felicidade. "Quando você não tem a capacidade de relacionar suas ações a uma causa mais ampla, elas parecem sem propósito e vazias com o tempo, por não estarem conectadas a um sentido além de si mesmas. E sabemos que, quando uma pessoa pensa que está agindo sem um propósito, isso tem efeitos negativos sobre sua saúde psicológica e fisiológica com o passar do tempo", diz Immordino-Yang.
Como se livrar dos efeitos nocivos do trabalho intenso
Como qualquer pessoa que tenha experimentado a meditação sabe, não fazer nada é surpreendentemente difícil. Quantos de nós, após 30 segundos de ócio, pegam o celular?
Na verdade, não fazer nada nos deixa tão desconfortáveis que preferimos nos machucar. Literalmente. Em 11 estudos diferentes, os pesquisadores descobriram que os participantes preferiram fazer qualquer coisa – até dar choques elétricos em si mesmos – em vez de ficarem ociosos. E não foi como se tivessem que permanecer assim por muito tempo: os períodos de ócio variaram entre seis e 15 minutos.
A boa notícia é que você não precisa ficar sem fazer absolutamente nada para obter benefícios. É verdade que o descanso é importante. Mas também é importante fazer uma reflexão ativa, pensar sobre um problema que você tem ou em uma ideia.
De fato, qualquer coisa que exija a visualização de resultados hipotéticos ou cenários imaginários – como discutir um problema com amigos ou mergulhar em um bom livro – também ajuda, diz Immordino-Yang. Se você agir da forma certa, poderá até ativar sua DMN até ao olhar uma rede social. "Se você está apenas vendo uma foto bonita, ela fica desativada. Mas, se você está fazendo uma pausa e permitindo-se refletir internamente sobre algo mais amplo, como por exemplo o motivo que levou a pessoa da foto a se sentir de tal forma, elaborando uma narrativa em torno dela, então, você pode ativar essa rede", diz ela.
Também não demora muito para desfazer os efeitos prejudiciais da atividade constante. Quando adultos e crianças ficaram ao ar livre, sem aparelhos eletrônicos, por quatro dias, seu desempenho em uma tarefa que exigia criatividade e capacidade de resolução de problemas melhorou em 50%. Mesmo fazer uma caminhada, de preferência em um local externo, melhora significativamente a criatividade.
Outro método eficaz de reparar estes danos é a meditação: apenas uma semana de prática para indivíduos que nunca meditaram antes, ou uma única sessão para praticantes experientes, pode melhorar a criatividade, o humor, a memória e a concentração.
Qualquer outra tarefa que não exija 100% de concentração também pode ajudar, como tricotar ou desenhar.
Parte do problema para fazer isso, no entanto, está em nossa capacidade de nos controlarmos – o receio de que, se relaxarmos por um momento, tudo desabará.
Isso está errado, diz a poeta, empreendedora e consultora de carreiras Janne Robinson. "A metáfora que gosto de usar é a da fogueira. Quando começamos um negócio e, depois de um ano, finalmente podemos tirar uma semana de folga, a maioria de nós não confia que uma outra pessoa possa realizar nossas tarefas em nosso lugar. Nós pensamos 'a fogueira vai se apagar'", diz ela. "E se nós apenas confiássemos que o fogo está quente o suficiente e que podemos ir embora? Que alguém pode jogar mais madeira na fogueira e fazer ela aumentar?"
Isso não é fácil para aqueles de nós que sentem que precisam estar constantemente "realizando" alguma coisa. Mas, para fazer mais, parece que devemos nos sentir confortáveis em fazer menos.
Fonte: Época Negócios - 15/04/2019