A origem do lúpulo
O lúpulo (Humulus lupulus L.) é uma planta trepadeira, perene, que pertence ao grupo das Urticáceas e da família Cannabaceae.
O lúpulo alcançou sua importância no passado pelo fato de que suas substâncias amargas contribuíam significativamente para a preservação da cerveja, por causa da ação bactericida. A capacidade antisséptica do lúpulo foi descrita já no ano de 1153 d.C. pela religiosa Hildegard von Bingen, com as palavras “putredines prohibet in amaritudine sua“ (seu amargor evita a deterioração).
A mais antiga fonte escrita sobre a plantação de lúpulo remonta ao início da Idade Média. O plantio de lúpulo foi mencionado pela primeira vez no ano de 763 d.C. em Geisenfeld, na região de Hallertau (sul da Alemanha, que ainda hoje é o mais importante centro de produção, responsável por cerca de 25% da produção mundial).
Outras fontes fidedignas indicam o ano de 768 (Mosteiro de St. Denis em Paris), 822 (Mosteiro Corvey) e 859 até 875 (Freising na Alemanha).
Uma primeira menção ao uso do lúpulo na elaboração da cerveja se deu no ano de 1079. O lúpulo foi introduzido nas cervejas da Inglaterra no início do século XVI, e os Estados Unidos começaram o seu cultivo em 1629, no estado de Washington. Atualmente, os principais centros de produção do Reino Unido se encontram em Kent (que produz o lúpulo Kent Golding), Worcestershire, e estado de Washington, nos Estados Unidos.
Outras importantes áreas de cultivo incluem Bélgica, Alemanha, República Tcheca, Xinjiang (China),Tasmânia (Austrália), a região de Lublin (Polônia) e Chuvashia (Rússia).
As variedades de lúpulo
As variedades de lúpulo na Europa se desenvolveram a partir de uma seleção natural (pelos plantadores e cervejeiros) ao longo dos séculos, nas diversas regiões de cultivo.
Até meados da década de 1950, quando foram trazidas ao mercado novas variedades por meio de cultivo seletivo de cruzamentos, cada região de cultivo possuía sua própria variedade de lúpulo, que na maioria dos casos trazia o nome da região.
Assim havia na Alemanha:
Em Hallertau – o lúpulo Hallertauer Mittelfrüh
Em Hersbruck – o lúpulo Hersbrucker Spät
Em Spalt – o lúpulo Spalter
Em Tettnang – o lúpuloTettnanger
E na Europa:
Elsácia na França – o lúpulo Strisselspalter
Lublin na Polônia – o lúpulo Lubliner
Saaz/Auscha na República Tcheca – o lúpulo Saazer
A aparência do lúpulo era a característica mais importante para a diferenciação da variedade. Somado a isso vinha naturalmente a avaliação do aroma que o cervejeiro dava à variedade. O lúpulo eliminou todos os outros aditivos por sua capacidade de aumentar a durabilidade microbiológica da cerveja.
Flores de lúpulo
Para o cervejeiro era necessário escolher as variedades cujas quantidades adicionadas no cozinhador de mosto poderiam ser grandes, sem influenciar o paladar. Assim se sobressaem as variedades que sobreviveram a essa seleção natural, através de sua suavidade especial.
Esses lúpulos podem ser chamados de lúpulos de aroma clássicos. Na Europa Central, eles foram a base para os cultivares subseqüentes e são ainda hoje plantados.
Em parte existe entre eles uma clara semelhança genética, por isso, por exemplo, as variedades ricas em farneseno (componente dos óleos essenciais do lúpulo), como Tettnanger, Spalter, Saazer e Lubliner são chamadas de variedades da região de Saaz. Também existe um parentesco genético entre as variedades Hersbrucker (Alemanha) e Strisselspalter (França).
O plantio do lúpulo
As variedades de cultura do lúpulo são cultivadas em larga escala. As regiões alemãs mais importantes são Hallertau na Baviera, e o Schussental entre Tettnang e Ravensburg em Baden-Württemberg. As espigas são chamadas de umbelas e encontram seu uso na elaboração de cerveja.
Na culinária, além disso, os jovens brotos podem ser ingeridos na primavera e as sementes no outono.
Uma fecundação pelo pólen das plantas masculinas reduz o rendimento no mosto cervejeiro, também reduz a janela de tempo de colheita (porque flores de lúpulo super maduras tem paladar horrível), e dificulta o processamento na cervejaria. Por isso as plantações são completamente botanicamente femininas. As flores possuem dentro da superfície coberta (pétalas) pequenas glândulas de resina, das quais podemos obter a lupulina (de cor amarelo-ouro). Ela age como substância aromatizante e agente conservante.
Plantação típica de lúpulo, com altura de até 7 metros
O lúpulo é cultivado no início do ano, a partir do fim de março, sobre as estruturas de arame nos assim chamados “jardins de lúpulo”.
A reprodução da planta se dá vegetativamente através de mudas. Dois ou três rebentos são colocados sobre um arame como ajuda para subir, e crescem até o final de julho até a altura da estrutura que é de sete metros. Quando as espigas das plantas femininas estão maduras, as trepadeiras de lúpulo durante a época de colheita de cerca de três semanas (final de agosto e início de setembro), são cortadas pouco acima do chão, tiradas das estruturas de arame e levadas até a área de processamento. Lá são retiradas as umbelas (conjunto de flores com formato de um guarda chuva) pelas colheitadeiras.
As umbelas macias e úmidas são secas em uma estufa, até apresentar teor de umidade de aproximadamente 11%, sendo então prensadas e resfriadas.
Freqüentemente o lúpulo é processado para pellets (pequenos pedaços prensados).
Assim o lúpulo alcança durabilidade mais longa, quando embalado a vácuo. Caso ele seja aquecido ou não seja embalado sem a presença de ar, perde rapidamente seus aromas voláteis e em cerca de um ano, até 35% de seu valor cervejeiro.
Componentes do lúpulo
Os componentes que valorizam o lúpulo são as substâncias amargas (resinas do lúpulo), substâncias aromáticas (óleos do lúpulo / óleos etéricos) e as substâncias fenólicas (polifenóis).
As substâncias amargas e óleos etéricos encontram-se nas glândulas de lupulina. As substâncias fenólicas provêm principalmente de partes maiores da planta como hastes das flores e ramos.
A. Substâncias amargas
As substâncias amargas são ácidos, que promovem o “frescor herbal“ da cerveja e melhoram a estabilidade da espuma. Podemos diferenciar:
Ácidos alfa = humulona
Ácidos beta = lupulona
Ácidos gama = humuliona
Ácidos delta = hulupona
Para cada desses 4 grupos existem 5 ácidos com a mesma estrutura molecular, mas diferentes cadeias laterais. A quantidade absoluta dos teores de ácidos amargos e a composição específica dependem da variedade e das condições ambientais.
B. Componentes de aroma
O “aroma de lúpulo“ compõe-se de mais de 300 componentes de óleos etéricos como mirceno, cariofileno, humuleno etc.
As quantidades absolutas e relativas são em sua maioria dependentes da variedade, mas também do ano da safra. Variedades da região de Saaz (Saazer, Spalter, Tettnanger) representam o grupo das variedades de aroma extremamente fino e se destacam pelos elevados teores de farneseno.
C. Polifenóis
Polifenóis possuem influência sobre o paladar e o corpo da cerveja e também um efeito precipitador de proteínas.
Paralelo à nota marcante de paladar, a utilização de lúpulos na elaboração de cerveja possui influência sobre a flora de microrganismos. Ele age como antisséptico e bacteriostático e influencia com isso a durabilidade da cerveja.
Hoje podemos comprovar cientificamente os conhecimentos empíricos dos mais de mil anos de utilização do lúpulo na cerveja. Com isso constatamos que a seleção de lúpulos com determinadas características também tinha os seus motivos. Assim podemos também reconhecer, o que o cervejeiro de hoje faz diferente do de antes.
O lúpulo na cervejaria
O lúpulo tornou-se popular nas cervejarias no século XVI e é considerado o principal aditivo de aroma e paladar da cerveja, contribuindo também para a sua estabilidade microbiológica e físico-química.
Inicialmente utilizava-se o lúpulo in natura, isto é, sob a forma de flores prensadas em grandes fardos, que eram reduzidos a porções menores, de modo que pudessem ser adicionados ao cozinhador de mosto, na sala de cozimento da cervejaria. Esta forma original evoluiu para os extratos líquidos ou pastosos e os diversos tipos de pellets.
Podemos diferenciar basicamente entre variedades de lúpulo de amargor e variedades de lúpulo aromático. As últimas são caracterizadas pelo fato de que seu potencial de amargor (para o processo cervejeiro são particularmente importantes os chamados ácidos alfa) em concentrações muito menores do que aqueles dos lúpulos de amargor.
A quantidade de ácidos alfa das variedades aromáticas corresponde a 3-9% em comparação com 12-20% das variedades de amargor, porém, em contrapartida, as variedades de aroma possuem claramente uma maior concentração de substâncias aromáticas e altamente ativas como óleos etéricos ou polifenóis.
Lúpulo dosado logo no início do processo cervejeiro e com longo tempo de fervura faz com que aumente o rendimento do lúpulo, que sofre uma modificação química de ácidos alfa em ácidos iso alfa; com isso o mosto fica com isso mais amargo. Lúpulo adicionado mais tarde gera uma cerveja mais suave. Fatores como, por exemplo, o tipo do produto de lúpulo (pellets, extrato etc) ou também a intensidade da fervura e o extrato do mosto influenciam o rendimento (aproveitamento) do lúpulo.
Adição do lúpulo no cozinhador de mosto da sala de brassagem
As demais propriedades do lúpulo, de caracterizar o aroma e paladar da cerveja, encontram-se hoje claramente em pauta e ganham mais do que nunca importância em tempos de acirrada concorrência na indústria cervejeira.
A lupulagem de uma cerveja sempre foi um componente dos segredos da receita de um cervejeiro. A influência da lupulagem sobre o paladar depende da “Matriz da cerveja“, isto é, que a mesma receita de lúpulo para uma cerveja escura e uma cerveja clara, pode ser percebida pelos nossos sentidos como diferente.
Com isso, dificulta-se a pesquisa sobre a influência dos componentes do lúpulo sobre a cerveja. Nenhum aparelho pode reproduzir nossas avaliações sensoriais e sensações subjetivas são reconhecidamente difíceis de descrever. Algumas substâncias que o lúpulo traz para a cerveja, possuem limites sensoriais que se encontram abaixo da faixa de ppb (partes por bilhão = 10-9), e difíceis de identificar, mesmo com os equipamentos mais modernos.
Microbiologia
Na elaboração de cerveja, o lúpulo superou todos os outros aditivos, pela sua ação bacteriostática. Quando ainda não havia refrigeração, os mestres cervejeiros sabiam pela experiência, que uma farta adição de lúpulo aumenta a durabilidade da cerveja.
Quando Louis Pasteur descobriu a ação dos microrganismos sobre a fermentação e publicou em 1876 em seu estudo "Études sur la Bière" a prova de que não eram “as bruxas da cerveja”, mas sim organismos microscópicos que deixavam a cerveja azeda.
Na cerveja, a presença de álcool, gás carbônico, pH baixo e o elevado grau de fermentação (deixando pouco açúcar residual) são desfavoráveis para ao crescimento de microrganismos. Germes patogênicos como Salmonella e Staphylococcus não podem sobreviver. Por isso a cerveja sempre foi tida como uma bebida pura.
Mas existem bactérias, assim como algumas leveduras selvagens que podem sobreviver sob essas condições adversas, e podem provocar turvações e alterações de aroma e paladar na cerveja. Lactobacillus e Pediococcus (bactérias láticas, Gram +), e Pectinatus e Megasphaera (bactérias Gram -), estão entre os maiores inimigos do cervejeiro.
Entrementes, existem muitas pesquisas sobre esse tema. A assimilação da Isohumulona pela membrana celular dos microrganismos e os efeitos daí resultantes, já foram detalhadamente estudados. Assim os Lactobacillus desenvolvem com o tempo uma tolerância contra as substâncias amargas, que é difundida pela multiplicação celular.
As diversas substâncias naturais e quimicamente modificadas dos produtos do lúpulo mostram diferentes capacidades de inibir microrganismos presentes na cerveja.
Os ácidos alfa possuem o maior poder de inibição, os ácidos iso-alfa, o menor.
Quando no processo de produção de cerveja o lúpulo é dosado em mais vezes, também chegam à cerveja ácidos alfa não isomerizados. Esse processo faz com que a cerveja seja ainda menos sensível contra o crescimento de microrganismos. O que os cervejeiros já sabiam pela experiência há centenas de anos, foi mais tarde comprovado pela ciência com a pesquisa das causas dos fenômenos.
Intensidade do amargor na cerveja
A intensidade do amargor na cerveja se mede em IBU (International Bitterness Units – Unidades de amargor internacionais), que é fornecida principalmente pela adição do lúpulo.
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Intensidade do amargor da cerveja (IBU) |
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4 - 12 |
13 - 24 |
25 - 34 |
35 – 50 |
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Berliner Weisse |
Lambic |
Biére de Garde |
Porter |
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Tropical Lager / Pilsner |
Ice beer |
Dortmunder / Export |
Pilsen original |
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Light beer |
Münchner Helles |
Schwarzbier |
Barley Wine |
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Gueuze |
Scottish Ale |
Weizenbock |
Stout |
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American Lager |
Märzen |
Pilsner Typ |
Strong Bitter |
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Lite |
Kölsh |
Pale Ale |
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Hefeweizen / Kristallweizen |
Brown Ale |
Maibock |
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Irish Dry Stout |
Lúpulos são utilizados principalmente na elaboração de cerveja. Eles cedem à cerveja o seu aroma característico e seu amargor típico. Para elaborar cerveja são utilizadas exclusivamente as flores das plantas femininas.
Os componentes do lúpulo adicionalmente possuem ação conservante e estabilizante da espuma. Uma pequena fração do lúpulo colhido é utilizada para fins medicinais, principalmente como remédio calmante ou sonífero.
Além disso, o lúpulo é utilizado como reforço de paladar para alguns licores e destilados.
Fonte: Matthias Rembert Reinold
Mestre Cervejeiro Diplomado