A lenta metamorfose do mercado, no entanto, transformou a desesperança de Veiga em oportunidade. Há 11 anos na Gol, ele trabalha no setor de atendimento ao cliente em um dos balcões da companhia no aeroporto de Congonhas, na capital paulista. “A Gol me deu uma oportunidade que nenhuma outra empresa deu. Eu já estava em um momento de desespero e ela acreditou em mim”, conta o funcionário de 61 anos.
A companhia aérea implementou em 2017 o “Experiência na Bagagem”, um programa de contratação exclusiva para pessoas com mais de 50 anos. O programa batizado em forma de trocadilho deu os primeiros passos de forma interna, permitindo aos funcionários indicarem profissionais que atendessem ao perfil do programa, valendo até mesmo para pais e avós.
“Experiência na Bagagem” já empregou cerca de 85 colaboradores, que atuam em diferentes vertentes da empresa, sobretudo no atendimento ao cliente. “Começamos a perceber que pessoas com mais idade conseguem se colocar no lugar do outro, trazem uma empatia maior e um cuidado de antever a necessidade do cliente”, explica Jean Nogueira, diretor de RH da Gol.
O programa surgiu com a necessidade de melhorar a percepção da Gol junto ao público como uma marca mais “humana”, conforme explica Nogueira. “Buscamos nos funcionários a experiência de vida porque ela traz a robustez para transmitir ao nosso cliente o compromisso de nos colocarmos no lugar do outro. Essa é uma atitude que só vem com a experiência de vida”, conta.
De fato, essa mentalidade não se distancia do que aponta uma pesquisa realizada em 2013 pela consultoria PwC em parceria com a FGV-EASP, na qual 94% dos entrevistados afirmaram acreditar que o real benefício de se ter um profissional mais velho na equipe está relacionado ao conhecimento e à experiência que ele pode transmitir.
Nova realidade
A mais recente pesquisa demográfica feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou o alargamento da pirâmide etária no país, com destaque para uma maior participação de mercado das pessoas mais velhas. Entre 1991 e 2010, por exemplo, a parcela da população com mais de 65 anos aumentou de 4,8% para 7,4%.
Compreendendo a realidade demográfica contextual do país, o mercado de trabalho procura a maneira mais adequada de manter ou até inserir novamente esse público. Com isso, surgem programas de seleção e contratação especificamente voltados para os profissionais mais “experientes”.
É o caso do Grupo São Francisco, uma das maiores redes de saúde privada do país. Por lá, os funcionários são contemplados, desde outubro de 2018, com um programa de contratação especificamente voltado a profissionais com idade superior a 50 anos, o “50 Mais”.
Maria Cristina dos Santos, 59, integra o quadro de funcionários da empresa há pouco mais de três meses na área de call center. Ela explica que, apesar dos demais desafios, o impacto tecnológico é o maior agravante para os novos funcionários: “Minha maior dificuldade foi interagir novamente com o mercado de trabalho, principalmente por estar despreparada”, conta.
Além das mudanças do mercado de trabalho e a transformação da pirâmide etária do país, a gerente de gente e gestão do Grupo São Francisco, Lange Velludo, é pragmática ao justificar as razões para a criação do programa. “O mais forte para nós é trabalhar a diversidade. Essa troca de experiência e o equilíbrio disso tudo foi o que nos motivou”, ela explica.
Lange diz que, assim como na Gol, a criação do programa surgiu de uma necessidade interna e também para melhorar a empresa junto ao público. Um fator adicional ainda figura na criação do programa “50 Mais”: o aumento da demanda e expansão do quadro de funcionários.
Vivendo e aprendendo
Apesar de simbolizarem um avanço na percepção da transformação da força de trabalho no país, os programas específicos de contratação devem não bastar. O envelhecimento da população acontece simultaneamente ao surgimento de novas tecnologias, o que faz necessário manter os colaboradores mais velhos sempre atualizados com os novos procedimentos e práticas do mercado de trabalho.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima-se que, em 2040, 57% dos brasileiros ativos terão 45 anos ou mais – uma conjuntura que inclui cada vez mais profissionais maduros. Sendo assim, as empresas percebem a necessidade de criar práticas que permitam não apenas a contratação, mas também a capacitação desses colaboradores.
A troca de conhecimentos é algo muito valioso para a Schneider Electric. Programas como o “Mentoria Reversa”, criado em 2018 pela multinacional francesa, reforçam o pensamento de colaboração. Nele, os millennials – nascidos após os anos 1980 – dão treinamento para executivos de alta influência da companhia, sempre em duplas.
Paulo Torso foi contratado para um cargo de gestão quando tinha 49 anos. Hoje, com 55, é Global Supply Chain da Schneider Electric América do Sul. Ele explica que, por meio do Mentoria Reversa, a troca de conhecimentos não gera nada além de melhorias e maior produtividade. “Quando equipes multigeracionais se encontram para discutir projetos, é nítida a maior velocidade, clareza e efetividade da comunicação”, conta.
Ao lado de Jéssica, uma analista de marketing de 28 anos, Torso pôde compartilhar, durante os encontros mensais, valores e ensinamentos em temas como pensamento digital, interatividade, mentalidade de inovação e transformação, design thinking, competências do futuro e estilos de liderança, além de diversidade e usos da tecnologia. “Com esse processo de mentoria, vamos aproximando esses dois mundos”, conta. “Me beneficiei muito disso, entendendo muito mais do que os millennials fazem e como fazem. Ao mesmo tempo, tenho certeza que eles também estão ganhando com nossa experiência”, explica Torso.
A ausência de cursos de capacitação e aprendizado em novas tecnologias para os funcionários sênior não é um problema para Jean Nogueira, do RH da Gol. Essa deficiência é suprida, de acordo com o executivo, com os cursos já existentes na grade de treinamentos dos novos contratados.
“Não criamos distinções aqui. Se uma pessoa é selecionada, é porque cremos que, independentemente da sua idade, crença ou raça, ela é igualmente boa e conectada com o propósito da companhia”, explica.
Uma pesquisa da Randstad, empresa de soluções em recursos humanos, analisou os impactos da força de trabalho multigeracional. No estudo, 86% dos entrevistados acreditam que a colaboração entre gerações é benéfica para a companhia. Ao mesmo tempo, a maioria dos funcionários acredita que a diversidade de idade é um solo fértil para a aparição de melhorias na empresa – o que leva 90% dos entrevistados a crer que soluções inovadoras surgem nesse contexto.
Para Lange, um programa focado em uma única área (call center, no caso do Grupo São Francisco) não é restritivo, mas qualitativo. Tendo em vista que a seleção de perfis é específica, ela explica que um currículo de uma pessoa com idade avançada também pode ser utilizado em uma outra colocação. “O ’50 Mais’ só veio para potencializar uma prática que já tínhamos.”
A diversidade também é uma preocupação na Pepsico, que, além do programa de contratação “Golden Years”, focado em pessoas acima dos 50, também conta com projetos específicos para o treinamento e capacitação de profissionais que estavam fora do mercado de trabalho há pelo menos dois anos.
É o caso do projeto ‘Ready to Return”, em que os selecionados ganham a oportunidade de trabalhar por dez semanas em suas áreas de expertise, com direito a mentorias, treinamentos, salário, benefícios e a chance de permanecer na empresa após o fim do período. Enquanto isso, o “Golden Years” tem foco mais operacional e registrou cerca de 80 contratações desde 2017.
Projetos Futuros
O Grupo São Francisco quer levar o seu projeto para outras áreas dentro da empresa. O próximo passo é contratar funcionários do programa para as recepções dos hospitais da rede.
A Schneider Electric pretende seguir com as mentorias, agora levando o conceito para executivos de menor influência dentro da empresa. A Gol, por sua vez, deve manter o “Experiência na Bagagem” como está.
De fato, é essencial que as empresas percebam a relevância do desenvolvimento de políticas inclusivas, sobretudo as multigeracionais. As perspectivas indicam um aumento na população idosa, que paralelamente se preocupa em estar ativa e alinhada aos padrões do mercado de trabalho. ”Com a idade que a gente tem, não encontramos mais as oportunidades para entrar no mercado. Por isso, acho que temos que abraçar iniciativas como essa”, conta Maria Cristina dos Santos, prestes a completar 60 anos.
Fonte: Época Negócios - 18/03/2019