A cerveja é um produto de origem vegetal, susceptível a alterações em sua composição e estabilidade físico-química, e que contém gás carbônico (CO2), álcool etílico, diversos sais inorgânicos e aproximadamente 800 compostos orgânicos.
Quando uma cerveja apresenta boa estabilidade físico-química, ela manterá as suas características originais (aparência e comportamento) por um longo período de tempo.
Um correto processo de produção, envasamento e distribuição deverá minimizar e retardar as alterações físico-químicas da cerveja.
Calor, frio, agitação, luz e ar (oxigênio) são os agentes que provocam estas mudanças e ao evitar ou minimizar a exposição a eles, o cervejeiro pode fazer com que o seu produto chegue às mãos do consumidor antes que estes agentes possam induzir um dano significativo à cerveja.
A estabilidade físico-química da cerveja
A estabilidade físico-química, também chamada de coloidal, pode variar bastante e se apresenta através de turvação.
Responsável por esta turvação é o sistema coloidal da cerveja e sob colóides entende-se pequenas partículas finamente dispersas, de tamanhos irregulares.
Freqüentemente os colóides em solução aquosa são portadores de cargas elétricas. Aparecem também colóides eletricamente neutros, como por exemplo, os beta-glucanos. Estes podem agrupar-se através de forças de atração e ser eliminados.
Os grupos de substâncias responsáveis pela instabilidade físico-química são os seguintes:
a) Proteínas (polipeptídeos)
b) Polifenóis (taninos)
c) Polisacarídeos (açúcares)
d) Substâncias minerais
As turvações podem ser diferenciadas em turvações a frio e permanentes.
A turvação a frio surge em função da formação de pontes de hidrogênio entre proteínas (polipeptídeos) e polifenóis, assim como a ligação iônica de metais aos grupos laterais desses polímeros. Como os dois tipos de ligações são relativamente fracas, a turvação a frio desaparece com aquecimento.
A turvação permanente compõe-se basicamente dos mesmos elementos da turvação a frio, mas a ligação é muito mais forte. A cerveja afetada pela turvação permanente apresenta-se enevoada (turva, com aspecto leitoso) e pode até desenvolver um sedimento.
Substâncias minerais, como por exemplo, os metais pesados ferro (Fe), cobre (Cu), zinco (Zn) e estanho (Sn) aparecem relacionadas a turvações protéicas na cerveja.
As turvações compõem-se principalmente de proteínas e taninos. Além disso, também ocorrem ligações do tipo proteínas + carboidratos, taninos + carboidratos ou proteínas + carboidratos + taninos e/ou substâncias minerais.
Sabendo que a turvação consiste em complexos tanino-proteicos insolúveis, medidas corretivas podem ser dirigidas para uma ou ambas as classes de compostos solúveis.
Estratégias de tratamento:
A utilização do ácido tânico
Um método para reduzir a concentração protéica na cerveja é a utilização de ácido tânico. O ácido tânico pode ser adicionado ao cozinhador de mosto, na maturação ou durante a filtração da cerveja.
No cozimento de mosto, a adição do ácido tânico geralmente é efetuada 10-15 minutos antes do final do cozimento (2-6 g/hl), antes da maturação (5-9 g/hl) e durante o processo de filtração da cerveja - antes da centrifugação (dosagem de 2-5 g/hl de ácido tânico).
A quantidade de ácido tânico a ser dosada depende de vários parâmetros, como matérias-primas empregadas, conteúdo de proteínas ácidas, número de células de levedura, tempo de maturação e temperatura, teor de oxigênio e especificações de qualidade (tempo de prateleira - shelf life, estabilidade contra turvação, estabilidade organoléptica).
O objetivo é reduzir a concentração de proteínas através de precipitação como complexos tanino-proteicos, que são retirados da cerveja através de sedimentação (cozinhador de mosto e Whirlpool, tanque de maturação) ou centrifugação/filtração (centrífuga e filtro de terra diatomácea).
O galotanino é um extrato cem por cento natural de nozes de galha ou de folhas de sumac e é composto de polifenóis hidrolisáveis de alto peso molecular.
O seu uso está em conformidade com todas as regulamentações de alimentos - FCC III; Biersteuergesetz (Par. 9, Abs. 6); GRAS 21 CFR 182-184; FAO-WHO 35e, aprovado como auxiliar de filtração.
Os galotaninos adsorvem proteínas por meio de três diferentes mecanismos, sendo o mais importante através de pontes de hidrogênio.
O seu paladar em água até 160 ppm é neutro, é completamente biodegradável e inofensivo sob uso normal (não provoca silicose, problemas de efluente etc.).
Ácido tânico possui um teor mínimo de ácido tânico de 96%, teor máximo de ácido gálico de 0,5% e um teor máximo de umidade de 7%.
A vantagem da utilização do ácido tânico, em princípio, é a remoção dos compostos protéicos que mais tarde iriam formar complexos com os taninos, enquanto que outros compostos que contribuem para a estabilidade da espuma, que não são precipitados pelo tanino, permanecem sem serem afetados.
As frações protéicas que mais contribuem para a estabilidade de espuma são as que possuem peso molecular entre 10.000 e 13.000 (14.000) Daltons, e em menor escala as de 40.000 Daltons.
As frações protéicas responsáveis pela estabilidade coloidal possuem pesos moleculares acima de 30.000 Daltons até mais de 100.000 Daltons.
Tabela 1: Comparativo entre a estabilidade de espuma de diversas cervejas (100% malte):
Cerveja |
1– sem ác. tânico |
1 – com ác. tânico |
2 – sem ác. tânico |
2 – com ác. tânico |
3 – sem ác. tânico |
3 - com ác. tânico |
Espuma Nibem, S/2 |
100 |
103 |
97 |
101 |
95 |
98 |
Meia-Vida da espumas (seg. Rudin) |
412 |
413 |
382 |
395 |
380 |
385 |
Na tabela 1 pode-se observar que não há influência negativa sobre a espuma. Em alguns casos a espuma é melhor com o uso de ácido tânico devido à absorção de substâncias gordurosas pelos flocos de ácido tânico.
Tabela 2: Comparativo entre diferentes estabilizantes e a sua relação com a turbidez (EBC):
Controle |
Enzimas |
Sílica-gel(75 g/hl) |
PVPP |
Ác.Tân. 1(2,5 g/hl) |
Ác.Tân. 2(3,5 g/hl) |
Ác.Tân. 3(4,5 g/hl) |
Ác.Tân. 4 |
|
Teste forçado |
12 |
8 |
6,9 |
1,8 |
2,4 |
1,6 |
0,6 |
0,45 |
Agitação |
12 |
7,8 |
7 |
6 |
2,5 |
1,75 |
0,65 |
0,5 |
Na tabela 2 o teste forçado simula o envelhecimento acelerado da cerveja (6 dias a 60°C e 1 dia a 0°C). O teste com agitação é o mesmo teste forçado com mais uma semana de agitação, simulando o transporte.
O uso do ácido tânico permite melhorar a estabilidade organoléptica da cerveja através da redução de uma parte dos compostos sulfurosos (o ácido tânico reage especialmente com as proteínas ácidas e com os grupos NH2 e SH das proteínas e polipeptídeos), sem reduzir os polifenóis.
Esta redução do grupo SH das proteínas reduz a formação de mercaptanos (que produzem o “paladar de luz”). Por “paladar de luz” entende-se a degradação fotoquímica dos ácidos iso-alfa, que reagem com os grupos SH dos aminoácidos, formando 3-metil-2-buteno-1-tiol (prenil-mercaptano), que pode ser detectado na cerveja a partir de uma concentração de 32 ppb.
Tabela 3: Formação de SH e conteúdo total de enxôfre (S):
Adição de ácido tânico (g/hl) |
Conteúdo de SH |
Conteúdo de SH |
Enxôfre (S) total na proteína (%) |
Cerveja controle |
1.30 ppm |
2.55 ppm |
0,53 |
2 g/hl |
1.05 ppm |
1.15 ppm |
0,3 |
5 g/hl |
1.05 ppm |
1.10 ppm |
0,27 |
Como resultado da redução dos compostos de enxôfre (S) e SH na cerveja, a proteção contra o “paladar de luz” e evolução do paladar é maior e expressa em números reais.
Através da influência da luz, aumentam os mercaptanos e derivados; a concentração de compostos sulfurosos e riboflavina é reduzida de 50 a 75%.
Fluxograma da dosagem de ácido tânico na filtração da cerveja:
Neste caso, a dosagem deve ser feita em linha e proporcionalmente à vazão da cerveja (através de bomba dosadora de precisão), para assegurar o ótimo rendimento do estabilizante ácido tânico.
Na dosagem antes da centrífuga ou filtro, a reação do ácido tânico com as proteínas ocorre em cerca de 30 segundos em temperaturas entre -1,5°C e +20°C. A precipitação e estabilização é melhor em temperaturas em torno de 0°C (de preferência entre -1,5°C a 0°C).
A temperatura ótima para a estabilização num curto espaço de tempo é entre -1,5°C e -0,5°C, durante 5 a 10 minutos.
Quando dosado antes do filtro de terra diatomácea, o ácido tânico reage com as proteínas, formando flocos. A filtração por meio de terra diatomácea (kieselgur) retém através dos efeitos peneira e profundidade.
A filtração por perlita, devido à sua estrutura, retém através dos efeitos de profundidade e adsorção. É mais fácil remover os flocos de ácido tânico e proteínas através da filtração por perlita devido à sua maior superfície de filtração, já que o maior tamanho e número de poros permitem assimilar uma quantidade maior de flocos.
A filtração (pré-camada e dosagem contínua) devem ser ajustadas para a dosagem do ácido tânico antes do filtro.
O uso do ácido tânico em cervejarias (sala de cozimento, maturação e filtração da cerveja) tem comprovado sua eficiência e vantagens:
- não há necessidade de aditivos para a espuma (pois o ácido tânico age seletivamente sobre as proteínas que prejudicam a estabilidade físico-química e não age sobre as proteínas responsáveis pela estabilidade da espuma);
- em casos de uso de sílica-gel, reduz-se a sua aplicação em cerca de 60%;
- pode-se reduzir em até 35% o consumo de terra diatomácea (kieselgur) - no caso de adição antes da centrífuga;
- é possível uma remoção de no mínimo 90% dos precipitados através da centrífuga;
- aumento da vida útil da pré-camada no filtro de terra diatomácea;
- em caso de uso de PVPP, reduz-se o seu uso em cerca de 50%;
- maior estabilidade da cerveja;
- menor volume de resíduos a serem eliminados pela filtração.
Fonte: Matthias Rembert Reinold
Mestre Cervejeiro Diplomado