Pensar quais mudanças a sociedade irá enfrentar nos próximos cinco anos, com a tecnologia transformando mercados cada vez mais rápido, não é uma tarefa fácil. Traçar tendências de comportamento para os próximos 50 anos parece, então, um desafio praticamente impossível. No entanto, é justamente com essas “previsões do futuro” que trabalha a futurista Daniela Klaiman, que atua como consultora de comportamento do consumidor e pesquisadora de tendências.
Para Daniela, existem quatro grandes transformações de mentalidade em curso. A primeira delas envolve um abandono do individual e uma entrada no coletivo. “Começamos a entender que, se não estivermos juntos de uma maneira mais unida, não vamos conseguir sobreviver enquanto raça humana”, diz. A transição do lado racional para o emocional é a segunda grande transformação. Na sede por sobrevivência desde o tempo das cavernas, o ser humano “destruiu tudo pelo caminho e deixou muitas dores”. Por isso, a sociedade enfrenta hoje números recordes de suicídios e de casos de estresse e depressão. “O emocional entra justamente para sanar as dores causadas por todo esse processo”, afirma a consultora.
A terceira mudança é do linear para o exponencial. As empresas, antes estáveis e previsíveis, passam a ter um crescimento exponencial — uma vez que, “a cada dois anos, a tecnologia fica mais poderosa ao mesmo tempo em que o custo cai pela metade”. “Dessa forma, as empresas explodem. E é também muito imprevisível: pode dar muito certo ou muito errado.” Enxergar a abundância no lugar da escassez é, por fim, a quarta grande mudança. “Pensando na abundância, nós vemos que hoje já existe ou está sendo desenvolvida uma solução tecnológica para absolutamente tudo que existe. Temos as tecnologias para resolver os problemas, mas ainda não estamos utilizando-as em larga escala.”
Em entrevista à Época Negócios, a futurista fala sobre como entender esse processo de mudanças.
As mudanças que você destaca são bastante profundas e estruturais. Você acredita que as empresas estão preparadas para entender esse novo comportamento humano?
Não, com certeza não. Está bem difícil porque as empresas ainda estão ganhando muito dinheiro no formato antigo. Estamos exatamente no meio do caminho, onde as coisas velhas funcionam e as novas estão batendo na porta. Mas, se as empresas não mudarem rapidamente, outros irão provocar essa mudança. As startups têm ideias que podem revolucionar o mundo. Já as empresas contam com muito dinheiro, mas talvez não tenham essas grandes ideias. A principal questão que vemos agora são as empresas trazendo esses braços de inovação de fora — comprando e investindo em startups e trazendo consultores de inovação. É uma combinação de dentro e fora para fazer as empresas ficarem mais oxigenadas e efetivamente se transformarem. Eu não acredito que a inovação vem de dentro.
Você avalia então que esses programas de inovação interna não são eficientes?
Eu acho que não. O maior briefing de inovação é pensar em qual será a empresa que vai acabar com o meu negócio. E uma empresa nunca vai pensar nisso. Uma mentalidade interessante para se ter é acordar todos os dias e pensar: “Como é que eu posso me ferrar como empresa?”. Aí, talvez, você crie algo revolucionário.
O que falta para esse tipo de pensamento entrar nas empresas?
Em pouquíssimos anos, a água vai começar a bater bem forte na bunda — em alguns mercados já está. Daí, todo mundo vai começar realmente a se mexer muito mais. Além disso, quando as novas gerações tomarem os cargos de liderança, elas já virão com essa mentalidade de “gente, tem de mudar tudo”.
O que será crucial para uma empresa se manter relevante?
Já ter começado [a mudar] antes de achar que existe um problema. Quem largar na frente vai se dar muito melhor. O Magazine Luiza é um ótimo exemplo. É um tipo de empresa tradicional e está se transformando radicalmente. Só na parte de inovação, se não me engano, tem 200 funcionários. As outras vão patinar muitíssimo para correr atrás, principalmente as líderes. Os líderes [de mercado] sempre deixam os outros inovarem e depois vão atrás. Agora isso mudou. Se as empresas líderes não inovarem, rapidamente deixarão de ser líderes.
Quais setores são mais sensíveis?
Os mais sensíveis, de longe, são os produtos de bens de consumo. Isso porque eles têm um custo absurdo — como é o caso de carros e de bebidas. Todas as empresas novas, que são exponenciais, são leves: o Uber não tem nenhum carro, o Airbnb não tem nenhum apartamento e o Waze não tem nenhum hardware. Esse é o desafio. Antes, uma companhia era medida pela solidez e pela quantidade de funcionários e de fábricas. Não mais.
Todas essas mudanças também terão impacto no mercado de trabalho. Como você enxerga o futuro nessa área?
Sem dúvida nenhuma, o número de freelancers vai aumentar muito. As pessoas não querem mais trabalhar das 9h às 18h. Não faz sentido. O trabalho ainda imita o modelo da indústria. Oito horas diárias é a era industrial. Além disso, o líder não é mais o cara que senta sozinho no corner office, é o cara que senta com a galera. Ele não fica mandando ali, enquanto a galera faz. Ele aprende junto com as pessoas com quem trabalha. Outra mudança virá da educação. Até hoje, as escolas são exatamente iguais à primeira que surgiu. A gente segue aprendendo da mesma maneira, e basicamente para formar pessoas para o ambiente de trabalho. A educação irá mudar e formar as pessoas para a vida, e não para o trabalho.
Fonte: Época Negócios - 13/12/2018