Por Betânia Tanure, especialista em comportamento organizacional e cultura corporativa do país e conselheira de administração de empresas como a varejista Magazine Luiza e a construtora MRV
Para responder à pergunta proposta no título deste artigo, vou apresentar aqui a “foto” do jeito tipicamente brasileiro de liderar. Essa “foto” foi fundamentada em pesquisas com mais de 40.000 executivos brasileiros ao longo dos últimos 20 anos. Você mesmo se verá espelhado nela – a não ser que seja uma espécie rara, o que é possível, ou que, como os peixes, não enxergue a água em que nada.
Pense nos líderes a sua volta, inclusive na política. Três traços culturais sustentam o jeito brasileiro de liderar: a flexibilidade, as relações e o poder, cada um com seu “lado sol” e seu “lado sombra”.
Vamos ao primeiro traço, a flexibilidade. Muito valorizado nos períodos de crise ou de necessária mudança, ele se desdobra, como sol, em adaptabilidade e criatividade. Mas fique atento, pois a sombra também pode estar presente: na indisciplina, no não cumprimento de regras simples, de normas, processos e mesmo nas reações contrárias à punição de quem transgride, de quem não cumpre a lei.
Como segundo traço, somos relacionais: afetivos, mobilizáveis, facilmente mergulhamos de corpo e alma nos projetos, nos chamamentos que a liderança faz. O lado sol é o engajamento, o comprometimento. E o lado sombra? Vida profissional e vida pessoal se misturam,) evitam-se críticas claras, não se quer magoar nem se indispor com o outro, especialmente com o chefe. O conflito, que poderia ser construtivo, gera o sentimento de “ou está comigo, ou está contra mim”.
Quando os lados sombra da flexibilidade e das relações se somam, a impunidade fala alto. Ecoa o ditado “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
O terceiro traço é o poder. Em pesquisa que realizamos recentemente sobre o exercício do poder, em uma escala de zero a 100 – na qual quanto mais baixo o score mais fortes as características de liderança igualitária e quanto mais alto o score mais aumenta a tendência a traços autocráticos – o score brasileiro é de 75. Estamos, portanto, no mesmo cluster de 40 anos atrás, quando a pontuação era de 69.
Talvez você associe esses resultados ao período da ditadura militar. É certo que passado esse período o autoritarismo perdeu expressão, mas também é certo que, mesmo velado, ele persiste em nossa cultura. Torna o processo decisório mais rápido, dizem seus fãs. No entanto, os efeitos nocivos são grandes: inibe-se o crescimento das pessoas e a assunção das responsabilidades. Delega-se para cima, não se exerce o protagonismo e buscam-se lideranças carismáticas, fortes, populistas, com soluções “mágicas” para todos os problemas. Com isso, as pessoas são mantidas em posições imaturas, infantis; e uma das consequências é o vácuo de liderança presente em tantas esferas da vida brasileira. O sistema autocrático, evidente ou subliminar – este ainda mais perigoso –, deveria ser extirpado da sociedade.
Quem souber combinar flexibilidade, caráter relacional e poder em seu lado sol terá como base de sua liderança o correto manejo das relações e emoções do time, a capacidade de mobilizar as pessoas, a flexibilidade necessária para adaptar-se aos diferentes movimentos que o mundo atual requer, a agilidade nas decisões e, enfim, poderá mudar o fluxo natural do poder autocrático. Parece muito? Não será, se você tiver valores pessoais consistentes, vontade e coragem para nadar contra a correnteza e competência para fazer acontecer.
No polo oposto, quando as três sombras se conjugam, temos o líder autoritário benevolente – que atrás de suas características afetivas e carismáticas esconde a face autoritária, envolvendo as pessoas emocionalmente com seu discurso. Esse líder não cumpre o que promete. Para manter sua popularidade, não toma certas decisões duras mas necessárias e, como seu maior foco são os objetivos de poder, não tem o desprendimento de construir um projeto cujo propósito seja o bem comum.
Finalizo com um convite: que tal adotar esse crivo de liderança para avaliar o perfil dos líderes da sua empresa, o perfil dos nossos governantes e, por que não, especialmente o seu perfil?
Fonte: Exame.com - 29/11/2018