Os melhores talentos de tecnologia não estão nem um pouco interessados naquelas empresas com uma hierarquia rígida e tradicional. E a OLX está bem atenta a isso. Com um time de desenvolvimento completamente brasileiro, sediado no Rio de Janeiro, o e-commerce de compra e venda de produtos e serviços defende que dar autonomia é a saída para atrair bons profissionais. “Preciso ter talentos que tomem a responsabilidade, tomem decisões, experimentem e evoluam rápido”, diz Andries Oudshoorn, o holandês que comanda a empresa no país.
Em janeiro de 2015, a OLX e o site Bom Negócio se uniram em uma mesma companhia. Desde então, buscam aumentar a cultura de compra e venda no Brasil. Em 2018, a empresa vai aumentar em 21% seu investimento por aqui, depois de atingir pela primeira vez um resultado operacional positivo, no ano passado. Andries e Marcos Leite, vice-presidente executivo da empresa, falaram sobre a fusão, o desafio de contratar e os próprios passos do negócio.
Como se deu o processo de união de OLX e Bom Negócio?
Andries Oudshoorn: Antes éramos concorrentes, duas empresas que começaram lá entre 2010 e 2011 a investir no Brasil. Olhando de fora, era realmente um mercado com muito potencial. O ato de comprar e vender coisas tem um “fit” com a cultura brasileira, mas antes as pessoas não tinham como fazer isso na internet. Então os dois grandes grupos que estavam por trás de OLX e Bom Negócio — Napsters e Schibsted, respectivamente —, viram o Brasil como uma oportunidade imensa. O sufoco foi explicar para as pessoas essa nova categoria — educar o público e construir as marcas. Além disso, precisávamos de um certo número de compradores e vendedores juntos para realmente fazer funcionar. Os primeiros anos foram bem focados em trazer pessoas para a plataforma. Entre 2013 e 2014, os dois sites já estavam crescendo muito rápido. Mas achamos que estávamos nos limitando com duas empresas separadas. Em quase todos os países onde os classificados têm grande sucesso é mais um modelo “winner takes all”. É importante todos os compradores e vendedores estarem no mesmo site.
E como foi a integração?
Andries: No final de 2014, começamos a conversar. E, em 2015, integramos os dois sites. Nós migramos todos os usuários de um site para o outro e juntamos as duas marcas também. É uma joint venture 50-50, cada um dos grupos têm metade do novo negócio. Acabou tendo um impacto muito positivo para o usuário, que passou a vender mais rápido. Internamente, como teve muita duplicação de funções, ficamos com os melhores talentos. Deu muito certo. Mostrou que é possível juntar concorrentes e trazer o melhor das duas companhias.
Hoje sentem uma mudança de comportamento, de as pessoas estarem mais abertas a comprar e vender online?
Marcos Leite: Nós tivemos de construir essa categoria no Brasil. O brasileiro não estava tão acostumado a desapegar. Nós usamos até um pouco de humor na nossa comunicação, como você deve se lembrar. Mas sentimos a mudança. Hoje, temos 500 mil novos anúncios na plataforma todos os dias. No começo, quando tínhamos recordes de 5 mil já ficávamos felizes. Era mais difícil contratar antes também, as pessoas não conheciam a marca — hoje, os candidatos mesmo usam. Estamos virando parte do dia a dia das pessoas.
Com quantos funcionários vocês estão hoje?
Andries: Um pouco mais de 500. Aqui em São Paulo, fica o comercial. Mas a sede principal é no Rio de Janeiro, onde está o desenvolvimento de tecnologia da OLX. Somos a maior empresa de tecnologia do Brasil. Há aplicativos grandes por aqui, mas são feitos lá fora. Acreditamos muito no talento de tecnologia do Brasil.
A gente ouve o tempo todo o quanto é competitiva a disputa de profissionais de tecnologia no Vale do Silício. Como é o ambiente aqui para construir tecnologia?
Andries: Aqui existe também uma disputa enorme por talento. Por isso, o Brasil tem de investir em educação, para formar mais engenheiros da computação — o que não acontece muito rápido. Há vários desafios. Um deles é atrair os melhores talentos, criando essa cultura de engenharia que existe lá nos EUA. Aquele modelo tradicional de gestão que ainda existe em muitas empresas brasileiras, mais hierárquico, não funciona em empresa de tecnologia. A gente precisa criar times autônomos com uma missão clara, que se sintam donos e parte do negócio. Esse modelo de gestão mais horizontal, com mais autonomia para os times, é fundamental para atrair os melhores talentos. E também é fundamental para ter velocidade. Se o presidente tem de decidir tudo, vai ser muito mais demorado. Eu nem sei de tudo. Preciso ter talentos que assumam a responsabilidade, tomem decisões, experimentem e evoluam rápido. Essa cultura diferente é muito importante.
Qual é o foco principal agora, que vocês já integraram as duas empresas de vez?
Andries: Ainda estamos bem no início desse movimento de mudança de cultura de consumo no Brasil. Não é algo que acontece de um dia para o outro. Muitas pessoas conhecem a OLX, mas nunca usaram. Só 15% dos brasileiros vendem coisas online. Fizemos uma pesquisa com o Ibope que mostra que 91% têm algo para vender, com valor médio de mais de R$ 4 mil (sem contar imóvel e carro). Ou seja, quase todos os brasileiros têm algo para vender. Isso teria um impacto muito grande na economia e no meio ambiente. A gente realmente acha que está só no início desse caminho.
E do ponto de vista de modelo de negócio? Há novas frentes que pensam em explorar?
Andries: Começamos a oferecer mais serviços para empresas que queiram anunciar na OLX. Quando juntamos os dois sites, somos um dos maiores site de imóveis e líderes absolutos em venda de carros, além de uma das maiores plataformas de publicidade. Começamos a atrair imobiliárias, concessionárias de carros e outras empresas para publicar o seu conteúdo com ferramentas diferenciadas. No sentido de publicidade, temos 50 milhões de brasileiros nos visitando a cada mês e temos muitas informações sobre eles. Sabemos o que eles estão procurando, onde estão, em qual fase de busca estão. Há muitos parceiros que gostariam de oferecer produtos para esses usuários. Imagine que alguém procurando um carro também precisa de um financiamento, por exemplo.
Marcos: Nem começamos a explorar todas as possibilidades de verticalização que temos. Hoje, se alguém entrasse no Brasil querendo oferecer carros, serviços ou empregos, teria de começar do zero. A gente não, temos a audiência. Desses 50 milhões que nos acessam, são 11 milhões só em carros e 10 milhões em imóveis. A gente vende cinco carros por minuto. São pessoas que já estão lá para ver esse tipo de conteúdo. Quando você tem tantos vendedores e compradores, as empresas querem estar onde o comprador está.
Fonte: Época Negócios - 27/02/2018