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Pouco tempo atrás, só jovens estudantes em busca da primeira experiência profissional concorriam às vagas de estágio oferecidas pelas empresas. Embora eles continuem sendo os candidatos que mais aparecem nesse tipo de seleção, um novo público com vontade de colocar conhecimentos em prática no mundo corporativo vem surgindo no mercado: o da terceira idade.

Um levantamento feito pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) em seu banco de dados mostrou que, no ano passado, havia 96 estagiários acima dos 60 anos atuando no país, o que representava 1,5% do total.

São Paulo, Bahia e Pará foram os estados que mais contrataram aprendizes nessa faixa etária. Os cursos universitários com maior demanda? Pedagogia, direito e serviço social.

Embora os números sejam tímidos, eles indicam mais disposição das empresas em abrir espaço para profissionais maduros. O percentual de idosos na força de trabalho saltou de 5,9%, em 2012, para 7,2%, em 2018.

No ano passado, havia 7,5 milhões de pessoas da terceira idade atuando no mercado. Considerando que o envelhecimento demográfico caminha a passos largos no Brasil, essa mudança de comportamento é um sinal importante.

Para ter noção, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1 milhão de pessoas se tornam idosas a cada ano no país. Em 2017 havia 30,2 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. "O envelhecimento populacional é um fenômeno observado mundialmente. O fator que mais colabora para esse cenário é a redução das taxas de fecundidade, e não o aumento da expectativa de vida. Isso quer dizer que será preciso utilizar a mão de obra da terceira idade porque faltarão jovens no mercado de trabalho", diz Reinaldo Gregori, sócio-diretor da Cognatis, consultoria especializada em geomarketing, analytics e big data.

Outro ponto que as empresas devem considerar: o perfil dos idosos está em plena transformação. Hoje, mesmo depois da aposentadoria, uma boa parcela de homens e mulheres quer continuar na ativa — seja por necessidade financeira, seja pelo prazer de sentir-se útil, como o personagem do ator Robert De Niro em Um Senhor Estagiário (2015).

No filme, que emula a realidade, um executivo setentão abraça a oportunidade de estagiar em uma startup para driblar o vazio que o tempo livre lhe impôs. "Além de continuar se relacionando socialmente, muitas pessoas da terceira idade desejam adquirir conhecimentos para participar mais amplamente do mundo", diz o médico Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil.

Por isso há um número crescente de gente que chegou aos 60 se aventurando em uma nova carreira ou indo atrás do sonho de cursar uma faculdade pela primeira vez.

Dados apurados pelo Censo da Educação Superior mostram que, em 2017, havia 18 900 universitários entre 60 e 64 anos matriculados em instituições públicas e privadas do país. Com mais de 65, o número era de 7 800. E tudo indica que a demanda seria maior se existissem políticas públicas capazes de facilitar o acesso dos idosos às salas de aula.

Na visão de especialistas, não faltam motivos para contratar estagiários mais maduros. "Além das habilidades técnicas, quem passou dos 60 já acumulou uma boa experiência de vida e, portanto, desenvolveu competências emocionais que os jovens ainda não têm", afirma Alexandre.

De acordo com o médico, os idosos costumam ser mais calmos, resilientes e focados no trabalho. Eles tendem a tomar decisões com mais prudência em momentos de crise, ajudam a manter o time unido e muitas vezes tornam-se mentores dos mais novos, influenciando positivamente quem planeja chegar longe na carreira. "A vivência faz com que os mais velhos exerçam uma liderança natural sobre os demais estagiários", diz Marcello Augusto Hamdan Ribeiro, coordenador no departamento jurídico da Caixa Econômica Federal no Rio de Janeiro, que tem um estagiário experiente, estudante de direito, em seu time.

Atualmente, a empresa conta com oito estagiários maduros espalhados pelo Brasil: seis acima dos 50 anos e dois com mais de 60 (sete deles cursam direito e um está no nível técnico). O período de aprendizado obedece às regras estabelecidas pela Lei do Estágio (no 11.788/2008), de dois anos, e não traz limitações quanto à idade do candidato — basta que esteja matriculado em uma instituição de ensino.

Só para lembrar, nesse tipo de contrato o empregador não tem obrigação de oferecer seguro-saúde — uma necessidade real para os mais velhos, diga-se de passagem. E vale dizer que o estágio pode ser computado para fins de aposentadoria se o próprio estagiário contribuir para a Previdência Social.

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Vantagens

Ao criar vagas desse tipo, as organizações agregam um valor social ao mercado, contribuindo para diminuir o preconceito que acompanha os mais velhos em busca de recolocação.

Aqui cabe uma ressalva: o Estatuto do Idoso, criado em 2003, assegura aos maiores de 60 anos o exercício da atividade profissional, respeitadas as condições físicas, intelectuais e psíquicas, e proíbe a discriminação e a imposição de um limite máximo de idade para exercer o cargo, exceto quando for imprescindível. Afinal, é preciso considerar questões de saúde que impeçam a realização de certas tarefas.

Outro aspecto importante a levar em conta é a diversidade geracional. Estudos mostram que ter funcionários de etnias, gêneros e idades diferentes promove inovação e, muitas vezes, aumenta a lucratividade das companhias.

Quem teve uma experiência positiva nesse sentido foi a Mobilitee, plataforma que ajuda empresas na gestão de gastos com transporte. A sta­rt­up­ já contou com um estagiário de 63 anos que, depois de fazer carreira na área de tecnologia de um banco e se aposentar com uma boa renda, resolveu estudar desenho industrial e voltar à ativa para continuar se sentindo útil.

De acordo com José Renato Mannis, CEO da Mobilitee, o senhor estagiário mantinha um bom relacionamento com toda a equipe (inclusive com a chefia) e, graças à sua larga bagagem, sugeriu melhorias em um projeto que a startup estava desenvolvendo. "Ele também agia com prudência e sabia antecipar os problemas que poderiam surgir, habilidade que o outro estagiário do mesmo setor, que era bem jovem, não tinha", lembra José Renato.

Na opinião do CEO, a data de nascimento deverá ser levada cada vez menos em conta na escolha de um funcionário. "Há muito jovem com espírito velho por aí, e vice-versa." Em outras palavras, o que importa é que a pessoa demonstre afinidade com o negócio, adaptabilidade e capacidade de aprender.

Pedras no caminho

É inegável que podem surgir problemas quando uma empresa, principalmente de setores mais tradicionais, abre suas portas para estagiários idosos. Embora o convívio de diferentes gerações seja benéfico e cada vez mais frequente no ambiente de trabalho, na prática o relacionamento pode ser conflituoso, pelo menos no início.

Isso porque pessoas com idades variadas apresentam características distintas. Além de ter pontos de vista divergentes, nem sempre usam métodos semelhantes para atingir determinado resultado.

Os millennials, jovens nascidos entre 1980 e 2000, são considerados imediatistas e avessos à hierarquia, mas exibem um alto grau de engajamento na realização de projetos nos quais acreditam. Já a geração X, de mea­dos dos anos 60, costuma ser paciente e organizada.

No entanto, demora mais para se adaptar às inovações tecnológicas. A defasagem digital, aliás, é um obstáculo que as ­empresas enfrentam ao recrutar os mais velhos.

Para Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a melhor maneira de ampliar a permanência do idoso no mercado de trabalho é investir em capacitação — até porque a mão de obra jovem vai diminuir e a reforma da Previdência certamente obrigará todo mundo a se aposentar mais tarde.

"O Estado tem de estimular programas de profissionalização para a terceira idade, sobretudo a mais carente, e criar condições para que as empresas aumentem o número de contratados dessa população, mas na prática isso ainda não acontece", diz.

De acordo com a pesquisadora, uma saída seria reservar um percentual de vagas para os maiores de 60 (já existe inclusive essa proposta de emenda ao Estatuto do Idoso em discussão no Congresso Nacional). Como, em duas décadas, o número de grisalhos chegará a 57 milhões, inclui-los será não apenas uma necessidade mas também uma questão de estratégia.

Ter gente madura nos times ajudará a entender as demandas dos consumidores mais velhos e a desenhar produtos e serviços mais interessantes para eles. A inclusão fará bem à sociedade — e também aos negócios.

 

Fonte: Exame.com - 04/06/2019

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