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Em meados de fevereiro, o Brasil vivenciou uma crise política causada por uma ferramenta que, alguns anos atrás, não se­­ria pe­ri­gosa para nenhum presidente: o WhatsApp.

Uma série de áudios trocados entre o então ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, e Jair Bolsonaro revelaram que o presidente usava o aplicativo de mensagens para despachar com o subordinado e mostrar sua contrariedade por ele ter colocado na agenda um encontro com um executivo da TV Globo. As conversas foram o estopim de uma crise que culminou na demissão de Bebianno.

Quando o WhatsApp é ferramenta de gestão até no Palácio do Planalto é sinal de que a tecnologia contaminou a liderança. Na vida real, as consequências da utilização não são tão drásticas a ponto de gerar crises, mas podem trazer desconforto.

Era o que acontecia com Eloisa Leal, de 33 anos, gerente da clínica multidisciplinar Espaço ComPasso. Ela lidava com o celular apitando por causa das mensagens da chefe, Lílian Kuhn, de 35 anos, nos horários mais inapropriados, como aos sábados à noite — numa rotina que se repetiu por meses.

“Ela realmente mandava muitas mensagens, todos os dias, mesmo tarde da noite. Às vezes, nem tinha como fazer nada, mas respondia. Aí, para mim, ficou desgastante. Virou uma preocupação constante”, diz Eloisa.

A própria Lílian, fonoaudióloga e diretora da clínica, admite que perdeu o controle no relacionamento com sua gerente. “Eu gerava uma demanda imensa para ela com muitas mensagens fora do horário”, diz.

As duas ficaram um ano nesse ritmo frenético, mas pararam, há mais ou menos seis meses, aliviadas. A mudança aconteceu com um empurrãozinho da família de ambas, que disseram que era preciso impor limites.

Com muito diálogo, elas conseguiram contornar o problema sem brigar. “Resolvi limitar meu horário, inclusive com os pacientes, das 8 às 20 horas, e sem responder nos fins de semana.”

A regra é clara?

Até sentar para conversar e se reedu­car, o comportamento da dupla seguia um padrão frequente. “As pessoas sempre esperam que o outro responda rapidamente, quando não imediatamente.

A maioria absoluta das vezes não é urgente, mas cria-se um senso de urgência que pode ser nocivo com o tempo”, diz Vanessa Cepellos, professora do mestrado em RH na Fundação Getulio Vargas. E quando não há abertura para o diálogo (e certa propensão da chefia para a readequação da postura) o uso do WhatsApp pode resultar em sobrecarga e estresse.

Por isso é tão importante que normas de convivência sejam estabelecidas com antecedência, justamente para evitar excessos. Na ausência de regras, o ideal é conversar abertamente com o chefe ou com o colega que manda as mensagens em horários inapropriados.

Se isso não resolver ou não for possível negociar, aí deve-se recorrer aos superiores hierárquicos da pessoa que manda as mensagens ou ao departamento de RH da empresa.

Todos com bom senso sabem — ou pelo menos deveriam saber — que mensagens além do horário, em dias de descanso ou com conteúdo inapropriado são atitudes condenadas no ambiente corporativo.

E mais: além de erradas, essas práticas podem ser ilegais. De acordo com a advogada trabalhista Mariana Machado Pedroso, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, o uso do WhatsApp fora do horário de trabalho motiva litígios cada vez mais comuns na Justiça.

“Mensagens em horários e dias inapropriados têm consequências jurídicas, a depender do volume e da frequência”, afirma Mariana. Caso seja movida uma ação pelo empregado, a Justiça poderá mandar a companhia pagar horas extras, adicional noturno, além de danos morais e outras verbas indeni­za­tórias.

As disputas judiciais, porém, acontecem (em quase a totalidade dos casos) quando o funcionário já se desligou da empresa e quer cobrar pelo tempo trabalhado além do período normal.

Governança digital

“Muitos líderes e liderados sabem que o uso fora do expediente configura hora extra, mas continuam fazendo”, diz Paulo Vieira de Campos, professor de educação executiva na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Para evitar que isso aconteça, empresas mais atentas já trabalham com um conceito chamado “governança no uso de grupos”, orientando seus gestores a não abusar das mensagens e a ter atenção aos conteúdos compartilhados. Já os funcionários são ensinados a não enviar nem responder a mensagens fora dos turnos de trabalho.

Segundo Bruno Andrade, especialista em soluções digitais para RH da Mercer Brasil, tem crescido a orientação de não obrigatoriedade de um funcionário sem telefone corporativo aderir a grupos de trabalho. “Mas é raríssimo alguém se abster de participar de grupos por só ter telefone pessoal. Há sempre o temor de ser tachado de antissocial, não colaborativo, e sofrer represálias dos colegas e gestores”, diz Bruno.

Para impor limites reais, aplicativos de respostas automáticas estão entre as soluções adotadas pelas empresas tanto para avisar a clientes sobre o horário de atendimento quanto para evitar excessos. Quando um smart­phone recebe uma mensagem depois das 18 horas, por exemplo, o aplicativo responde, via WhatsApp mesmo, que o horário de atendimento se encerrou.

É possível usar o mesmo procedimento em celulares corporativos evitando que as equipes respondam a seus gestores após determinados horários. “O nível de consciência em relação ao uso é baixo. Devemos ter muito cuidado para não invadir a esfera pessoal. Algumas pessoas e alguns contextos são mais sensíveis do que outros”, diz Cíntia Borttoto, sócia na Exec, consultoria de recrutamento e desenvolvimento de executivos.

Em casos de equipe de trabalho que se comunica por meio da tecnologia, é responsabilidade do gestor conduzir o grupo e moderá-lo quando notar excessos como fofocas e palavrões. “O grupo acaba sendo um reflexo do comportamento do gestor. Cabe a ele moderar, orientar quando responder, zelar pela atenção ao tempo de urgência e às prioridades.”

Além das questões trabalhistas que devem ser respeitadas, os usuários corporativos têm de cuidar do código de ética de suas empresas e seguir regras sociais de boa educação. “Não é de bom-tom compartilhar memes ou piadas em grupos de trabalho”, afirma Claudia Matarazzo, consultora comportamental empresarial.

Mas, talvez, a melhor recomendação seja manter a prudência e o respeito às regras de convivência comuns a todos. “Pode-se pensar em algum nível de compliance para o WhatsApp, mas tudo passa pelo bom senso.

Pessoas se comportam de maneira diferente em círculos sociais distintos, na família, entre amigos, no trabalho, na presença de clientes. Há regras sociais não escritas que todo mundo mais ou menos sabe — ou deveria saber — e que devem ser respeitadas na vida real e virtual”, diz Paulo Vieira, da ESPM. Ou seja, é preciso usar o aplicativo com muita moderação.

 

Fonte: Exame.com - 03/05/2019