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A Apple lançou um recurso permitindo que usuários saibam quantos minutos gastam em seus dispositivos. Para quem já testou o serviço, a reação não costuma ser das melhores, pois em geral passamos, sem perceber, muito tempo em computadores, tablets e smartphones.

E não é novidade que a tecnologia pode nos tornar menos produtivos. É aí que o detox dela no próprio trabalho pode ajudar – mesmo que por apenas uma hora diária.

Detox

Estudos mostram os efeitos negativos que as obsessões tecnológicas podem ter sobre a saúde, felicidade e produtividade: as telas tensionam nossos olhos; a cultura de mensagens de trabalho 24/7 nos deixa deprimidos e estressados; a internet ataca nossas tendências mais obsessivas e viciantes.

Em 2012, pesquisadores americanos analisaram o impacto do e-mail, talvez a distração tecnológica mais perniciosa e odiada do ambiente de trabalho do século 21. Eles colocaram monitores cardíacos em funcionários de escritório e descobriram que aqueles que acessavam o e-mail constantemente, alternando entre várias janelas e aplicativos do navegador, tiveram níveis cardíacos mais altos e mais estresse.

É claro que não há como sair completamente da rede. Deixar de checar o e-mail no trabalho, desaparecer da mídia social ou jogar seu telefone em um banheiro metafórico é “abdicar da responsabilidade de navegar pelo mundo em que vivemos”, diz Pamela Rutledge, psicóloga especializada em mídia.

Em vez disso, trata-se de aprender a pegar atalhos ao longo do dia; ser mais consciente e liberar tempo para que a tecnologia seja tratada apenas como mais uma tarefa.

Multitarefa é uma ilusão

Encontrar uma hora livre da tecnologia no trabalho não é se esconder no armário de vassouras, meditar em uma sala silenciosa ou trancar seu iPhone em uma gaveta. O truque é parar de tentar executar várias tarefas ao mesmo tempo – principalmente entre dispositivos e aplicativos.

“Neurocientistas mostraram claramente que o cérebro humano não é projetado para multitarefas, mas sim uma tarefa em série”, diz Sandra Sgoutas-Emch, professora de psicologia da Universidade de San Diego.

Seu cérebro precisa de tempo para recuperar o atraso e refocar cada nova tarefa. E estudos mostram que o foco em uma tarefa de cada vez permite que sua atenção seja mantida e que a tarefa seja feita com mais eficiência e rapidez. Fazer um curto detox da tecnologia diariamente ajuda seu cérebro a fazer isso, afirma Sgoutas-Emch.

O tempo é engolido pelas pequenas interações tecnológicas que se infiltram em todas as horas de trabalho. E a constante troca entre dispositivos, atividades e janelas do navegador cria ansiedade e distrações.

“O aumento do volume de interações nos leva a alternar as tarefas com mais frequência”, diz Matthias Holweg, professor de gerenciamento de operações da Saïd Business School, da Universidade de Oxford. “Toda vez que trocamos de uma tarefa para outra, perdemos o tempo de configuração, portanto, ficamos menos produtivos no geral”.

Sem um pequeno hiato tecnológico, é difícil quebrar esse ciclo. “Nossos cérebros anseiam por recompensas instantâneas: verificar WhatsApp, Facebook ou email a cada 10 minutos. Mas isso é contrário ao trabalho produtivo, infelizmente”, afirma.

Como fazer isso

Especialistas sugerem uma série de estratégias. Separar uma hora por dia no trabalho que o afaste da rede digital é simplesmente uma questão de planejamento inteligente.

Quase todos os especialistas entrevistados para esta reportagem recomendam verificar seu e-mail apenas em determinados períodos do dia. Isso significa desativar as notificações que aparecem no canto na tela. O ideal é escolher duas ou três vezes por dia em que você abre sua caixa de entrada.

Você pode aplicar a mesma estratégia a outras distrações digitais, como mídias sociais ou o uso de smartphones. E você também pode planejar intervalos curtos onde você não está interagindo com nenhuma tecnologia.

“Agende horários durante o dia para dar um passeio lá fora e deixe seu telefone na mesa”, diz Sgoutas-Emch. “Se o tempo estiver ruim, ande pelo prédio e fale com os colegas. Faça um almoço de verdade”.

A tecnologia não é o problema – se

Nem todo trabalho envolve sentar-se na frente de um computador ou estar amarrado a um smartphone, e nem todo mundo tem um tipo de personalidade que o grude na rede. Além disso, passar uma hora desconectado não resolve problemas mais graves que causam o mau hábito.

Mas tentar cortar tudo de uma vez – como fazem alguns executivos do Vale do Silício ou gurus da tecnologia – pode trazer mais prejuízos do que benefícios.

“Se uma pessoa tem o hábito de fumar e fica longe do cigarro por um tempo, isso cria tensão”, diz Gloria Mark, professora de informática na Universidade da Califórnia, que liderou o estudo sobre e-mail em 2012.

Dependendo do seu trabalho, eliminar (ou mesmo reduzir significativamente) a tecnologia também pode ser irreal. Mas Mark acha que as organizações têm a responsabilidade de garantir que os funcionários não se tornem escravos tecnológicos.

“Por exemplo, liberando e-mails em determinados momentos durante o dia”, afirma. “O envio de e-mails em lote pode ajudar, porque muda as expectativas”.

Em vez de os funcionários serem bombardeados com mensagens distrativas que os tornam mais estressados e menos eficientes, o e-mail se tornaria apenas mais uma tarefa. E os trabalhadores chegariam lá quando fizesse mais sentido, em vez de se sentirem pressionados a responder imediatamente.

Esse é um tópico que já foi explorado: em 2017, a França tornou lei que os funcionários pudessem ignorar o e-mail comercial fora do horário de trabalho, e a cidade de Nova York discutiu um projeto similar no ano passado. A Volkswagen parou de enviar os e-mails fora do horário comercial para os funcionários em 2012.

Embora não haja escape total da tecnologia para muitos de nós, o poder de uma hora distante da tecnologia não é subestimado. Podemos encontrar esse tempo extra através de um cronograma mais inteligente e usando ferramentas digitais de maneira diferente. Caso contrário, diz Rutledge, essa tecnologia acaba sendo mais problemática do que valendo a pena.

“Ter que redirecionar sua atenção continuamente é mais cognitivamente cansativo do que a coisa que você precisa fazer”, resume.

 

Fonte: Época Negócios - 22/02/2019