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Jorge Paulo Lemann 09 05

Empresas que pagam bônus aos funcionários semestralmente estão cometendo um grave erro que promove o pensamento de curto prazo, de acordo com Jorge Paulo Lemann. Curiosamente, o empresário e economista que ocupa o posto de homem mais rico do Brasil desde 2013 também é conhecido por ter “inventado” a prática do bônus semestral, ao menos nacionalmente.
Em entrevista à edição de número 500 do Podcast Rio Bravo, o bilionário relembra sua trajetória desde a criação do Banco Garantia, na década de 1970. Os bônus semestrais e as sociedades que oferecia aos funcionários à época ajudaram no início, segundo ele, “porque o negócio era ganhar dinheiro”.

Depois de um tempo, porém, a empresa começou a sentir efeitos negativos desse pensamento: “isso gerava uma visão muito de curto prazo e não uma visão de querer construir uma entidade de longo prazo, perene”, lamenta Lemann, que considera esse o principal fracasso do negócio, vendido em 1998 ao Credit Suisse e ainda em funcionamento.

Na entrevista, o “dinossauro”, como ele próprio se definiu há poucos meses, fala sobre startups, o chamado “método 3G”, educação no Brasil, funcionalismo público, meritocracia e outros temas.

Eu gostaria de começar retomando como marco a experiência com o desenvolvimento do Garantia lá atrás. Muito já foi escrito a respeito, mas ainda assim eu insisto. Quais estratégias que o senhor adotou naquela época para alcançar o máximo desempenho?

As nossas estratégias eram basicamente de atrair gente muito boa, muito competente, treiná-los em casa, dar uma oportunidade para eles. Isso gerou bons resultados. Nós quando começamos não tínhamos dinheiro, não tínhamos um nome, então o ativo que tinha para cultivar era gente. Sempre demos muita ênfase em gente e dar oportunidade para as pessoas.

Era um partnership também, uma sociedade, e todo mundo participava dos lucros. Isso era meio novidade no nosso mercado na época, ninguém dava participação nos lucros, os bancos eram meio quadradões etc., então isso atraiu muitos talentos para a nossa organização. E foram essas pessoas que, basicamente, construíram e fizeram do Garantia o sucesso que foi durante um longo período de 25 anos.

Mas identificar talentos hoje talvez seja mais quantificado, se a gente puder utilizar esse termo, dada a formação das pessoas. Naquele instante, isso não era necessariamente um dado da realidade. Como é que os senhores faziam naquela ocasião?

Eu não acho que agora é mais fácil. Acho que agora é mais difícil. Todo mundo é muito preparado, todo mundo dá uma “googlada” antes para descobrir quem vai entrevistá-lo, o que a pessoa pensa ou acha, já vem com um discurso preparado…

Quer dizer, então é mais difícil hoje em dia do que era naquela época, que basicamente você entrevistava as pessoas e tinha uma sensação do que ela seria ou não seria. Agora, apesar de dar valor às entrevistas e tentar descobrir antes se a pessoa é boa, nós também corríamos algum risco [naquela época]. Pegávamos umas pessoas que pareciam ser boas, jogávamos ali na mesa ou sala de operações e, como era tudo aberto e todo mundo trabalhando junto, você rapidamente tinha uma ideia boa do que era a pessoa, se ela trabalhava bem com os outros, se ela tinha iniciativa, se ela corria atrás.

Nós gostávamos basicamente era de gente com energia, gente que rodava sozinho, então eu diria que era mais fácil escolher naquela época do que hoje, que todo mundo é mais técnico, mais bem formado e vem bem mais preparado para as entrevistas.

A sua trajetória, a grosso modo, é sempre louvada pelas conquistas. Ano a ano, sempre o senhor é citado como exemplo, como referência. Ainda assim, eu gostaria de perguntar o seguinte: quais foram os principais momentos de dificuldade que o senhor atravessou?

Jornal e o público ou sabe das conquistas ou sabe dos fracassos, e jornalista adora conquista e adora fracasso. O resto, ele não está interessado, mas no meio tem muita coisa acontecendo. Mas o que eu tenho a comentar é que eu acho que fiz muitos erros, acho que se aprende muito com erros também. Quer dizer, não é só na escola que se aprende, se aprende muito com erros. Eu tive vários erros, grandes. Não sei se você quer que eu comente agora ou depois, mas…

O senhor poderia comentar um?

Eu acho que o principal erro que houve do Garantia é que ele era uma organização muito visando o curto prazo e atraía gente boa de gerar resultado no curto prazo. Tinha o bônus semestral… Bônus semestral é período muito curto. Você transformava as pessoas em sócios também. Isso já era uma coisa mais longa, mas basicamente a maior parte da turma do Garantia estava lá porque era um lugar que dava para ganhar dinheiro e que ganhava dinheiro, então isso gerava uma visão muito de curto prazo e não uma visão de querer construir uma entidade de longo prazo, perene. Acho que foi o principal fracasso geral do Garantia, que no início não se sentia, porque o negócio era ganhar dinheiro e lá no final se sentiu um pouco.

Um pouco dessa experiência ou bastante dessa experiência foi importante para as empresas seguintes?

Foi, porque quando nós decidimos vender o Garantia nós mais ou menos sabíamos que ou ele tinha que mudar muito ou não ia para a frente. O mudar muito era complicado, porque a cultura toda era curto prazista etc. e nós, já naquela época, tínhamos Lojas Americanas, Brahma etc.

Elas iam bem e tínhamos a oportunidade de construir mais coisas para o longo prazo. E aí a decisão foi: “bom, esse negócio daí é bom, mas não está funcionando muito bem no momento, vamos saltar fora de uma maneira que ninguém tenha prejuízo”. Alguns sócios quiseram continuar, outros não quiseram etc., o Garantia continuou, está aí ainda com o Credit Suisse e nós, os que queriam sair, fomos cuidar das nossas vidas. E aí nessas outras entidades a visão estratégica passou a ser muito mais de construção a longo prazo, de atrair gente que queria construir no longo prazo e mudou então.

Rio Bravo: O senhor percebe um pouco dessa energia em ganhar dinheiro rápido nas startups?

Jorge Paulo Lemann: Eu acho que startup, em geral, é de gente que não tem dinheiro, então há o objetivo.

O que é curioso na startup é que, antigamente, a maneira de ganhar dinheiro rápido era fazendo alguma operação que desse lucro ou montando uma empresa que desse lucro. E, com a maioria dessas startups técnicas, o objetivo não é o lucro, o lucro de balanço, o objetivo é gerar uma história com a qual você vai captar mais dinheiro de novos investidores.

Então mudou a ótica de ganhar dinheiro na empresa para ter que fazer uma história bonita para tomar dinheiro de todo mundo que quer investir em startup. Eu acho que tem muita startup aí que o pessoal está levantando dinheiro a preços absurdos.

Como é que o senhor definiria o método do 3G? É possível, em algumas palavras, falar a respeito?

O método do 3G é: um, atrair gente muito boa. Continua a mesma coisa. Atrairmos gente muito boa, transformá-los em sócios e assim: é ter um foco claro. Quer dizer, nós tivemos uma experiência com private equity antes, onde o foco não era tão grande: tínhamos vários investimentos, então a 3G só faz uma coisa de cada vez, só faz com gente que já conhece e, principalmente, com o próprio capital.

Nós achamos que o private equity é um ramo interessante, mas a maioria das empresas partem para captar muito, porque querem ganhar dinheiro no fee e não necessariamente no resultado. Como o dinheiro é dos outros, eles têm que diversificar, então essa diversificação nós não achamos muito interessante. Em geral, não tocam os negócios com as suas próprias equipes.

Então, o 3G faz poucos negócios, com muito foco, principalmente com dinheiro próprio e quer sempre construir no longo prazo. Não temos um objetivo de sair daqui a cinco ou dez anos, como é a maioria dos private equity, estamos ali para sentar em cima e construir em cima até onde for possível.

É possível, guardadas as respectivas proporções, replicar esse método na área pública?

Eu nunca estive na área pública, eu não sei como é que é. Acho que tem dificuldades enormes na área pública. Você não pode despedir, você não pode remunerar bem, a área pública muitas vezes não é meritocrática. Quer dizer, você não escolhe os melhores.

Em tese, com o concurso público você recruta os melhores.

Em tese, mas fora isso tem muita coisa. Quer dizer, o presidente é nomeado do Brasil, nomeia 20 mil pessoas de saída. Você vai na Inglaterra, o governo tem 400 mil funcionários públicos. Você sabe quantos são nomeados politicamente dos 400 mil funcionários públicos?

Quantos?

Cem.

É o máximo.

É, então entra Primeiro-ministro, sai Primeiro-ministro, muda de partido, e a máquina mais ou menos continua. Todo mundo é avaliado, muito avaliado pela sua eficiência, recrutam gente jovem para ir para o funcionalismo público. Eu acho que é uma das coisas que está faltando no Brasil. É todo mundo ficar mais consciente que se nós não ficarmos mais meritocráticos, essa coisa não vai funcionar.

Começa no Ministério, que você tem 30 e tantos ministros nomeados politicamente, que não entendem nada do que estão fazendo. É difícil. O Brasil melhorou muito em termos fiscais. Quer dizer, antigamente era uma bagunça fiscal total. Está difícil agora de alguém sair fora da responsabilidade fiscal.

Educação também é um baita problema, mas está melhorando. Está todo mundo falando mais de Educação e que temos que educar melhor e que, sem ter gente mais bem-educada, nunca vamos ter igualdade ou igualdade de oportunidade.

Agora, meritocracia o pessoal ainda fala pouco. Tem que falar mais, o Brasil tem que ficar muito mais meritocrático, como é o setor privado. O setor privado é bem mais meritocrático. Quer dizer, são escolhidas as melhores pessoas. E se você for ver os órgãos governamentais, em geral, onde tem mais escolha e mais meritocracia são os melhores órgãos. Banco Central é bom, mas em geral falta meritocracia.

Rio Bravo: Nas suas empresas, a partir da década de 90, por exemplo, essa questão da meritocracia encontrou um método, um processo, que fosse adequado ao desempenho das próprias companhias?

Jorge Paulo Lemann: No início, a meritocracia era muito óbvia, porque no Garantia trabalhávamos todos no mesmo salão, todo mundo via todo mundo, todo mundo sabia quem estava fazendo o que, quem estava ganhando, quem estava correndo atrás, então era fácil de avaliar.

Na medida em que você passa para empresas maiores, tem que ter um método qualquer que avalie as pessoas, que mais gente pode olhar quem está produzindo, quem não está.

Nas nossas empresas, em linhas gerais, todo mundo tem cinco metas, cinco metas muito claras. Esta pessoa é avaliada todo ano em torno dessas cinco metas e sua remuneração tem algo a ver com o atingimento dessas metas específicas.

Dá um trabalho danado isso para você fazer com muita gente, mas nós fazemos com muita gente, então temos uma noção bastante boa de quem vai bem, estamos sempre acompanhando aqueles que nós achamos que estão no fast track, que vão evoluir mais rapidamente, então o que era meio no olhômetro ali na sala de operações passou a ser uma coisa mais científica, mais baseada em dados.

Falando de desempenho — vamos passar agora para o cenário internacional –, como é que o senhor observa o avanço da China, sobretudo em se tratando de longo prazo?

Eu acho a China espetacular. Acho que muita gente tem dúvidas, os bancos estão falidos, emprestaram demais, sistema de planejamento não funciona, tem demais empresa pública ainda… Na verdade, é que o crescimento deles nos últimos anos é algo inigualável, não se encontra.

Eu vou lá bastante. Quer dizer, então, você indo lá [observa que] o progresso é incrível. Nas cidades grandes, especialmente, e hoje em dia atingindo cidades longe também etc. O povo melhorou muito e o empreendedor chinês é um craque.

Os balanços e as informações ainda deixam a desejar, mas você hoje tem empresas tipo Alibaba, Tencent etc., que são de qualidade do mundo da Europa ou dos Estados Unidos. E, com aquele mercadão lá e mais ou menos tendo domínios daqueles mercadões, vão crescer muito, tem muita gente que acha que Alibaba e Tencent são de gabarito Google ou Amazon.

É para valer então esse desempenho?

Eu acho que é, porque aí alguns problemas eles vão ter que resolver. Esse negócio da dominância do partido, não sei como é que vão resolver, eles vão empurrando com a barriga.

No outro dia, eu vi uma gravação de um chinês falando sobre a superioridade do sistema de governança chinês e dizendo que quem subia tinha passado por várias etapas, os estados que vieram e foram testados, foram avaliados etc. [Ele dizia que] quem chegava lá em cima realmente era competente e eficiente, e esse método era muito mais eficiente do que o método democrático dos Estados Unidos, por exemplo, que elege pessoas que sabem aparecer bonito na televisão ou coisa desse tipo.

Aí o cara ainda enfiava a faca um pouco dizendo “E um Trump jamais seria escolhido”, porque não é eleito, é escolhido. Então, eu acho que aquilo ali vai continuar. São ambiciosos, passam por cima.

Quer dizer, fazer negócio com chinês não é fácil, mas eles querem crescer, são muitos ambiciosos, os empreendedores lá estão correndo atrás muito, muito, então acho que aquilo vai continuar durante algum tempo.

Em termos de mercado, eles representam uma oportunidade para as suas empresas?

Nós somos o terceiro maior cervejeiro na China, temos lá uns 17% do mercado. O mercado chinês é o maior do mundo, você tem que estar lá. Como somos o terceiro, mais ou menos estamos indo, respeitamos as leis etc., então se tentássemos ser o primeiro ou o maior provavelmente não nos deixariam, mas vai indo. É um baita mercado, baita oportunidade lá.

Essa intervenção, o senhor não acredita que a médio ou mesmo a curto prazo a China vai ter que resolver? Falando como empresário que quer participar desse mercado.

A lógica é que, se resolvessem, cresceriam mais talvez ou abririam, mas não vai acontecer tão cedo. Não vai acontecer tão cedo. O sistema está dando certo, então tudo que está dando certo é mais difícil de mudar. Está dando certo lá, a riqueza do povo chinês é impressionante como aumentou nos últimos 20 anos. Já viajei lá pelo interior também, é impressionante.

Falando de outro gigante e da sua relação com a China, no caso do Brasil, essa dinâmica Brasil e China tem algo a ser aprimorado?

Eu sou a favor de muito comércio, eu sou a favor de muita troca de informação. Eu acho que o comércio é que impulsiona o mundo. Os países de sucesso foram aqueles que, de alguma maneira, geraram muito comércio, aprenderam muito através do comércio e foram melhorando.

Aqui, o Brasil, que é a sétima ou oitava economia do mundo, em termos de comércio está meio atrasado ainda. Quer dizer, a fatia percentual que o Brasil tem do comércio global é pequena, então a China é um baita parceiro.

Obviamente, se pudesse transacionar mais com a China e o resto do mundo, eu seria a favor. Acho que essas proteções que nós bolamos aqui não estão com nada.

E como é que o senhor percebe os desafios que o Brasil tem à frente? Para ser mais preciso aqui, existem motivos para acreditar no Brasil?

Tem muita coisa boa aqui. Os recursos naturais, você tem a agricultura que é legal, você tem hoje em dia muito empreendedor. Em todo lugar que eu vou tem algum sujeito começando alguma coisa e com sucesso. Tem muito disso, que não tinha antigamente. Você não tem briga, aqui é um lugar pacífico.

Acho que o brasileiro quer melhorar — isso é bom também –, está faltando é botar um pouquinho mais de ordem nas coisas, ter uma governança melhor, mais meritocracia, mais gente que queira trabalhar junto.

Não acredito nesse negócio de que é de esquerda, é de direita. Vamos resolver, como é que resolve? O que tem que ser feito? E vamos fazer o prático. Provavelmente, isso é mais ou menos pelo meio, nem de esquerda nem de direita, então acho que é isso que está faltando.

Em termos de governança, o setor público, portanto, tem algo a aprender com a área corporativa.

Acho que sim. Acho que o setor público poderia ser muito mais eficiente do que é. Poderia ser menor, poderia ter mais metas claras, podia ter menos mudança de gente. Você vê, tem várias áreas importantes do governo que mudam de ministro uma vez por ano, pelo menos, então acho difícil construir assim.

 Através da sua fundação, uma das principais preocupações que tem sido manifestadas é a Educação, principalmente a Educação Básica. Como é que o senhor vê o desempenho do país na área da Educação perante um cenário tão complexo de mudanças à frente?

Acho que estamos atrasados. Todos os índices internacionais indicam que estamos atrasados, mas estamos muito mais conscientes do problema do que estávamos há dez, 15 anos atrás.

Tem mais gente falando de Educação, da importância da Educação e tem alguns progressos. Botaram todos os brasileiros na escola, a qualidade não é grande coisa, mas pelo menos estão na escola, já é alguma coisa. O governo está falando de aumentar a conectividade nas escolas para poderem ensinar mais via internet, coisas assim, que obviamente vão vir. Muita gente falando em melhorar a qualidade dos professores, vários programas para melhorar a qualidade dos professores. Você tem exemplo no Brasil de Educação Básica em escola pública muito bom e que não é ligado a riqueza. Sobral, que é um espetáculo. Ceará, pobre, cidade de 200 mil pessoas, melhor educação pública do Brasil. Tem outros exemplos desse tipo.

O pessoal agora está indo ver o que Sobral tem, como é que é, então vão querer copiar em outras cidades pequenas. Está melhorando. Os países mais bem-sucedidos são aqueles que têm as pessoas mais competentes e os países mais igualitários em termos de oportunidade também são aqueles que têm as pessoas mais educadas e preparadas, mas estamos longe ainda. Está melhorando.

O senhor sente que tem uma responsabilidade no sentido de apresentar uma espécie de legado com o que já construiu, sobretudo na área de Educação?

Eu gostaria que o Brasil melhorasse muito nos próximos anos. Eu sou um cara competitivo, competitivo em geral, então me dói ver que o Brasil não é competitivo em termos de Educação.

Tem vários países asiáticos mais pobres do que nós, mas que estão na nossa frente em termos de Educação. Me preocupa, país bom é onde as pessoas têm a mesma oportunidade, então, o país que não tem oportunidades e uma boa educação prejudica essa igualdade de oportunidade.

Eu gostaria de um país com mais igualdade de oportunidade, gente mais preparada para o Brasil ser competitivo e, junto com isso, usar seus recursos naturais, o fato de que não temos inimigos, de que não estamos brigando com ninguém, de que tem uma cultura que, basicamente, que quer progredir. As coisas que o Brasil deveria utilizar mais, mas precisa de Educação.

Fonte: InfoMoney - 03/08/2018