As frequentes demissões no ano passado levaram muitos profissionais e fazer bicos para garantir alguma renda. Paralelamente a isto, a tendência mundial de trabalho por demanda, com hora e local flexíveis, tem ganhado espaço no Brasil — para quê começar às 8 horas se posso trabalhar de madrugada e entregar os mesmos resultados?
E, além disto, a reforma chegou mesmo e está mexendo com a estrutura trabalhista no país, o que leva o profissional e a empresa a repensarem suas relações de emprego atuais. Todo este cenário fez com que o freelancer — um nome gringo e popular para autônomo — deixe de ser uma modalidade informal de emprego para ser permanente. O “freela” ou “frila” também é um estilo de carreira que está crescendo e deve continuar neste ritmo.
Uma pesquisa realizada entre setembro e outubro do ano passado por três empresas deste setor — Rock Content, 99jobs e We Do Logos —, com 9.500 profissionais de diversas áreas mostra que este tipo de serviço deve aumentar em média 20% ao longo de 2018.Ainda de acordo com o levantamento, 77,3% dos brasileiros já atuam como freelancers no país, oferecendo serviços que vão de consultorias especializadas a assistência técnica. Desses, 37,1% vivem exclusivamente como autônomos.
Pode até parecer óbvio que as plataformas de trabalhos “freelas” tenham esta projeção. Contudo, tanto instituições como o Sebrae, que ajuda a dar o pontapé inicial para montar uma empresa, como especialistas da área corroboram esta percepção no Brasil. Para Guillermo Bracciaforte, cofundador da Workana, as profissões que mais devem crescer neste segmento são em TI e programação, design e multimídia e marketing e vendas. “A tendência é que aumente, especialmente porque estas áreas são essenciais para qualquer empresa que deseja começar a vender ou divulgar seus serviços pela internet, algo crescente hoje. Esta modalidade vem abrindo muitas portas, e muitas pessoas não só estão sabendo aproveitar como estão fazendo coisas antes impensáveis, como viajar o mundo enquanto trabalham através do computador, por exemplo”, afirma Bracciaforte.
Foi o que aconteceu com Gustavo Mota, CEO da We Do Logos. Ele é designer de formação e montou uma agência, mas no caminho, mudou a direção. “Me deparei com modelos de negócios inovadores e vi que era possível ter um bom serviço de designer com um preço mais acessível através do serviço de freelancer. Ao mesmo tempo, percebi que tinham vários amigos parados e com tempo. Assim, criamos a plataforma”, diz.
Mais liberdade
Vale lembrar para quem quer seguir este modelo de trabalho que ele funciona melhor em algumas áreas e para determinados perfis de profissional. E que nem tudo é positivo. Entre as principais dificuldades, estão a formalização da pessoa jurídica, a precificação do trabalho e a organização financeira e administrativa. “Os benefícios e as recompensas são várias, mas também é preciso aprender a ser disciplinado e organizado, desenvolver uma boa comunicação, habilidades de venda, paciência para lidar com clientes, otimizar o tempo e cumprir prazos”, adverte Bracciaforte.
E tanto a empresa quanto os freelancers devem ter cuidado para que a relação não se torne uma CLT disfarçada. Neste casos, a empresa pode ser processada e o funcionário não terá os benefícios que receberia por lei. Oferecer e contratar o serviço de freelancer pode ser bom ou ruim para os dois lados: vai depender de como será feito.
Para Gustavo Mota, a melhor parte desta modalidade é a liberdade e a flexibilidade para trabalhar a hora que quiser. Por outro lado, nem sempre há trabalho — logo, nem sempre há dinheiro. Para as empresas, pontua, pode ser vantajoso porque reduz o custo para uma entrega de qualidade. Isso não significa pagar aquém, mas menos impostos, já que não há encargos da carteira. Segundo Mota, um dos grandes desafios é alinhar o que será oferecido à expectativa do cliente. Por isso, diz, documentar e deixar claro o que será feito e o que será cobrado são aspectos fundamentais para manter uma boa relação.
Leandro Marinho, coordenador regional do Sebrae da cidade do Rio de Janeiro, pontua que, embora o trabalho de freelancer possa soar informal, atualmente é preciso encarar o trabalho com os mesmos cuidados de um empresa grande, dando atenção ao marketing, à disciplina, ao controle e ao profissionalismo.
O levantamento apontou, ainda, que 48% das pessoas não sabem por onde começar a trabalhar como freelancer — uma dúvida muito frequente — e que 33,4% planejam investir ainda mais em seus serviços autônomos e abrir o próprio negócio em breve. Marinho conta que esta é uma dificuldade também percebida em quem busca o Sebrae, que oferece consultoria para a formalização dos negócios. Muitos chegam para primeiro fazer o Microempreendedor Individual (MEI) e, depois, conforme o desenrolar o negócio, virar uma empresa maior.
O primeiro passo, explica, é conseguir o CNPJ e alvará (se for enquadramento no Simples, precisa de contador). Resolvido isso, o empreendedor vai aprender na instituição sobre controle financeiro, marketing e planejamento. Para Guillermo Bracciaforte, a precificação é o que mais tira o sono dos freelancers iniciantes. “Isso porque, além de realmente não saberem precificar o próprio trabalho, muitos ainda não construíram uma reputação na internet e não têm um portfólio de trabalhos realizados para apresentar aos clientes em potencial”, fala.
Para saber qual preço cobrar, ele indica a Calculadora Freela (calculadorafreela.com/pt/), uma ferramenta para freelancers descobrirem quanto precisam ganhar por hora para valer o trabalho x despesas. O profissional também pode consultar seus colegas para ter uma ideia do que é praticado em seu setor.
Para quem quer se formalizar no mercado freelancer, é preciso pensar na parte tributária para poder se organizar e emitir a nota fiscal. Atualmente, são basicamente duas opções que funcionam para quem vai trabalhar nesse sistema compacto de prestação de serviços.
A primeira delas é ser um autônomo que não precise ter uma empresa, e a nota fiscal pode ser emitida como RPA (recibo de pagamento a autônomo). A outra é abrir uma empresa, que pode ser enquadrada como Microempreendedor Individual (MEI) ou Simples Nacional, esta destinada às microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) — há outras formas de tributação, como o Lucro Presumido, mas isso já é para empresas maiores.
O teto é a maior diferença
Há várias diferenças entre elas, mas a principal é o teto de faturamento e tributos. No MEI, o limite passou de R$ 61 mil para R$ 81 mil neste ano. No Simples, subiu de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões. A cobrança de impostos também é diferente. No MEI, é menor e é tudo concentrado em uma única guia de pagamento, com valores que variam entre R$ 50 e R$ 60. “O MEI é a categoria mais barata para o freelancer. Não precisa contratar contador, é men os burocrático e é mais barato”, explica Leandro Marinho, do Sebrae/RJ. O profissional pode ter uma conta jurídica, plano de saúde jurídico, nota fiscal e trabalhar para o governo. Este tipo de sistema também já inclui INSS e coberturas de licença-maternidade e de acidente de trabalho.
Segundo ele, pode-se contratar até um funcionário pelo MEI. Mas é preciso assinar carteira e pagar encargos em relação àquela contratação. Ele explica que quem quiser se formalizar no trabalho freelancer deve primeiro entrar no site da instituição e verificar se sua atividade pode ser enquadrada. Algumas, como personal trainer e contador, por exemplo, foram eliminadas a partir deste ano.
O MEI é a melhor opção
O coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, explica que a melhor opção para os dois lados é o MEI. Para a empresa, porque não há vínculo com pessoa física, evitando possíveis problemas futuros. E para o profissional, porque é possível conseguir linhas de financiamento maiores e compras com descontos melhores, já que se é pessoa jurídica.
A organização financeira, aliás, é fundamental para a carreira de freelancer. O profissional deve considerar períodos em que mercado estará parado, se programar para tirar férias e guardar um valor para a aposentadoria. O ideal, segundo ele, é economizar em torno de 8%. “Todo mês a empresa recolhe 8%. Então, este é o valor para separar para tempos difíceis. E tudo o que receber deve dividir por 12, para se ter um salário inteiro na hora de curtir as férias”, orienta Teixeira.
Fonte: O Globo - 26/01/2018