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A vida não-examinada não vale a pena ser vivida.

Sócrates 

Você já ouviu falar de Viktor Frankl, autor de "O Homem em Busca de Sentido"? Ele foi um psiquiatra judeu que sobreviveu a campos de concentração.

Seu relato é assustador.

Em meio à experiência do horror absoluto, uma questão o intrigava: por que, dentre tantas pessoas que não conseguiram resistir, algumas sobreviveram? O que essas pessoas, inclusive ele mesmo, tinham de diferente?

A conclusão dele: o que permitiu a essas pessoas resistir às condições mais brutais foi um forte senso de propósito.

Um forte senso de propósito. 

Você sabe qual a relação entre sentido, propósito, prazer e felicidade? 

E como criar para você mesma(o) uma vida que vale a pena ser vivida?

O texto desta semana é inspirado no livro recém-lançado The Power of Meaning, de Emily Smith. Conheci as ideias dela através da incrível newsletter de um americano que chama Eric Barker.

Várias sacadas interessantes, com base em pesquisas científicas. A questão é como organizar a vida a partir do que realmente importa. 

De acordo com a psicóloga, existem quatro pilares para uma vida plena de sentido e significado: Pertencimento, Propósito, Narrativa e Transcendência.

Saca só:

  1. A gente vive fugindo do fracasso, da perda, da ruína financeira -- da infelicidade. Mas, segundo as pesquisas, o que leva as pessoas ao suicídio não é a infelicidade; é a falta de sentido.

(E é por isso que a gente vê tantas celebridades que se matam ou se engajam em comportamentos autodestrutivos quando, aparentemente, teriam tudo para ser felizes)

  1. O que a gente costuma achar que nos traz felicidade -- como comer nosso prato de comida favorito, jogar videogame, fazer compras, dormir até tarde ou ter um carro lindão -- na verdade só produz picos de prazer.

Mas os picos de prazer logo passam e a gente sempre quer mais. Como acontece com qualquer viciado.

Ou seja, o que a gente persegue a fim de melhorar nossa vida é o que, na verdade, nos torna reféns. 

  1. Por outro lado, o que tem sentido -- como se sacrificar por algo maior, doar-se para uma causa importante, organizar a própria casa ou local de trabalho, cuidar de plantas, pessoas e animais, esforçar-se para atingir objetivos de longo prazo e dar apoio a quem está sofrendo -- pode até ser inconveniente, irritante, desagradável ou penoso.

Ainda que seja incômodo, este é o tipo de ação que, se mantido por tempo suficiente, alimenta nossa alma. Quando você aprende a adiar a gratificação e tolerar o desprazer, são essas as atividades que, ao fim e ao cabo, vão fazer você se sentir mais inspirado(a), pleno(a) e conectado(a).

  1. Um dos quatro pilares do sentido na vida é a sensação de Pertencimento. Então, se você quer dar mais sentido a sua vida, observe como tem participado dos grupos a que pertence.
  • Aí você pode, por exemplo:
  • Engajar-se mais profundamente nos grupos de que você já faz parte
  • Ingressar em um grupo de pessoas com quem você gostaria de conviver

Iniciar, você mesmo, um grupo de pessoas que se encontre regularmente em torno de alguma atividade, interesse ou hobby compartilhado (pode ser algo tão simples quanto um grupo de leitura, ou de jantar e bate-papo entre amigos, por exemplo)

  1. O segundo pilar da vida-que-faz-sentido é um senso de Propósito. Bem como tinha observado Viktor Frankl.

Agora, atenção: viver com propósito tem menos a ver com o que você faz e mais a ver com como você vê o que faz.

Por exemplo: talvez você tenha um emprego muito interessante... em uma indústria de cigarros. É possível que você até se divirta no dia-a-dia, mas pode ser difícil encontrar sentido naquilo ao olhar para trás, um dia, e perceber que a diferença que sua passagem pela Terra produziu no mundo e na vida de outras pessoas, basicamente, foi ajudar a enchê-los de cigarros.

Então, que sentido você dá para o que você faz? Que tipo de mundo você está ajudando a criar? É um mundo que está alinhado com seus valores mais profundos?

  1. O senso de propósito geralmente envolve dois pontos principais:
  • objetivos de longo prazo a partir dos quais você organiza seu dia a dia +
  • acreditar que você está oferecendo uma contribuição única, que sua existência está fazendo a diferença no mundo, na vida de outros seres e pessoas.
  1. O terceiro pilar da vida plena de sentido são as Narrativas que tornam a vida e o mundo compreensíveis.

Como você vê a sua história de vida?

Pessoas com vidas cheias de sentido e significado tendem a descrever a própria trajetória como uma história de Redenção.

Sabe o que é isso?

São histórias de superação, em que você passa por sofrimentos terríveis, que porém adquirem um sentido especial quando você resiste, persiste e, finalmente, encontra a salvação. Aí você percebe que nada daquilo foi em vão. Você sente que só passou pelo que passou para acessar lições de vida valiosas. Lições de vida que, afinal, você precisava aprender -- e que serão fundamentais para a pessoa que você irá se tornar.

  1. Cultive o hábito de escrever a respeito de suas experiências de vida. Procure olhar para sua vida com outros olhos, mais humildes, generosos e amorosos com você mesmo(a) .

Dê novos contornos e re-signifique sua história de vida.

Troque de gênero: se você acha que está vivendo um grande Drama, um filme de Terror, Suspense ou Policial, experimente olhar para o enredo da sua vida como se fosse uma Comédia, um Documentário, um filme de Romance, Ação ou Aventura.

Como seria a mesma história, a sua história, em outro gênero?

(E se quiser investir em aprofundar essa prática, de escrever regularmente sobre seus sentimentos, pensamentos, projetos, lembranças e escolhas como forma de encontrar propósito e sentido na vida, você pode me perguntar sobre meu trabalho de Estudo Biográfico por meio da escrita)

  1. O último pilar da vida com sentido é a Transcendência. Em outras palavras, o sentimento de sagrado e a sensação de encantamento, não necessariamente ligados a alguma religião.

Como conectar essa dimensão fundante da experiência humana? Experimente:

  • passar mais tempo na Natureza
  • criar um altar pessoal com objetos de poder, portadores de histórias que te contam quem você é, fotos de entes queridos, antepassados e mestres espirituais
  • cultivar o hábito de se deitar no chão e encarar as estrelas do céu noturno
  • planejar viagens para estudar e apreciar in loco a arquitetura de templos e espaços sagrados
  • ler biografias (ou assistir documentários) de seres humanos extraordinários
  • manter-se aberta(o) aos símbolos e sinais da Vida
  • buscar a bondade, a beleza e o sagrado nas paisagens, obras de arte, gestos espontâneos e ações intencionais de outros seres e pessoas no seu dia-a-dia

Então, a moral da história é a seguinte: a busca pela felicidade (sobretudo por meio do consumo ansioso) está tornando nossas vidas vazias e sem sentido.

A ponto de cada vez mais gente, especialmente jovens e idosos, cometerem suicídio, motivados pelo desespero de não encontrar sentido na vida.

Não se pode alcançar a felicidade buscando a felicidade; a felicidade genuína é algo que acontece a nós quando estamos distraídos fazendo coisas mais importantes. (Daí, acredito, a ideia de Graça, de ser tocado pelo Espírito Santo, na tradição cristã)

Não há nada de errado com o prazer, pelo contrário: sentir prazer é maravilhoso. (E é nesse ponto, na minha opinião, ao tratar o prazer como algo negativo e associá-lo ao sentimento destrutivo da culpa, que boa parte das religiões institucionalizadas pisam na bola)

O verdadeiro problema é deixar que a ânsia por prazer constante consuma a maior parte de seu tempo, de seu interesse e de sua energia, um lugar que, afinal, caberia a um projeto de vida enraizado no que toca a sua alma e dá sentido a sua existência.

Porque aí fica vazio.

O que vale a pena cultivar, na vida, não são doses cada vez maiores de prazer, nem a alternativa oposta de uma austeridade resignada; é estar próximo de quem a gente ama, investigar o que faz nosso coração se encher de alegria e tremer de pavor e encantamento diante do mistério da existência.

Fonte: Linkedin – 14/02/2017
Por André Camargo

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