Eu consigo administrar diversos aplicativos e dispositivos ao mesmo tempo. Sou capaz de resolver tudo na minha lista de tarefas. Meu trabalho é excepcional. Tenho o controle. Estou feliz, vivendo o melhor momento da minha vida. Esses eram alguns dos mantras de Brian Solis até pouco tempo atrás. E então … ele fracassou. A essa altura, o futurista e antropólogo digital já era um executivo de sucesso, com alguns livros best-sellers no currículo. Foi quando teve um bloqueio criativo. Mesmo com uma nova obra encomendada para entregar, ele simplesmente não conseguia mais escrever. O grande culpado? Solis foi atrás dele e encontrou a resposta: o enorme tempo gasto online à mercê de redes sociais e aplicativos.
“Fui vítima da tecnologia que estudava há 20 anos”, disse no SXSW 2019, nesta terça-feira (12/03). “Olhando para trás, lembrando dos outros livros que havia escrito, percebi que vinha tendo uma dificuldade cada vez maior em me concentrar e ser criativo”. Segundo Solis, só agora estamos começando a entender quais são os efeitos do uso diário de tantos dispositivos e aplicativos e de um design pensado exatamente para nos fazer viver grudados aos apps. “Mesmo quando estava lendo uma história para os meus filhos na hora de colocá-los para dormir, eu não estava verdadeiramente ali”, afirma. O problema não é, portanto, apenas a quantidade de horas passadas online, mas também a necessidade quase doentia de sempre estar conectado – e a angústia que toma conta de nós quando temos de ficar afastados.
Os estímulos recebidos por redes sociais e aplicativos são tantos que é difícil evitar a ansiedade. Todo mundo tem a sensação de estar ocupado a todo momento. “Quando se tornou normal não tirar o olho do celular?”, pergunta Soli. “Desde quando observar a vida dos outros ficou mais importante do que viver a sua?”.
Nada é por acaso. Segundo Solis, nossa atenção é negociada como uma commodity pelas plataformas de tecnologia. Quanto mais tempo passamos nas redes sociais, mais dinheiro damos a essas empresas. “Talvez tenha chegado a hora de o significado de FOMO passar de fear of missing out para finally over missing out”.
Uma boa ideia para seguir nessa linha é acabar, ou ao menos diminuir, as notificações recebidas pelo celular. Não raro, são dezenas e dezenas por dia. Elas foram criadas, entre outros motivos, para despertar um sentimento de bem-estar em nós, conta Solis. “As notificações fazem você se sentir bem porque demonstram que você está sendo notado, que as pessoas querem sua atenção”. Afinal, quem não gosta de ter um post com várias curtidas e comentários?
A presença das notificações, no entanto, é uma tentação a mais, num mundo regado a tentações. Há dez anos, um profissional conseguia ficar focado realizando um trabalho, em média, por 3 minutos. Agora, esse número caiu para 45 segundos. Pesquisas mostram que acessamos o celular cerca de 80 vezes por dia. Começamos e interrompemos com constância uma infinidade de tarefas ao longo do dia. Mas, como diz Solis, “você pode fazer tudo no mundo, mas não tudo ao mesmo tempo”. Ser multitarefa cobra um custo – e ele não é nada baixo. Realizar muitas ações diferentes ao mesmo tempo, segundo o antropólogo digital:
- Afeta sua memória
- Piora a qualidade do seu trabalho
- Aumenta as chances de você cometer um erro
- Estressa
- Diminui a criatividade
- Diminui o QI
- Afeta seus relacionamentos
- Detona sua energia
- Faz mal à saúde
- Aumenta o nível de distração
- Pode causar danos ao seu cérebro
Vício digital
Quer saber o quão viciado em sua vida digital você está? Solis sugere contar quantas vezes ao dia você:
- Pega um dispositivo
- Checa mensagens e seus feeds
- Compartilha uma experiência ou simplesmente uma foto de si mesmo
- Intercala todas essas distrações com o seu trabalho
Todos essas interrupções, além de causar ansiedade e estresse, também afetam a sua capacidade de ser criativo, de acordo com o futurista. “Não estamos sendo produtivos, felizes e criativos como poderíamos”, afirma Solis. “Sua vida no trabalho, em casa e na escola pode se beneficiar enormemente, se você dedicar tempo para pensar criativamente. E isso começa por estar realmente presente no momento”.
Grande defensor da criatividade, o escritor a considera uma espécie de fonte da juventude, uma ferramenta para inovar, e um dos caminhos para a felicidade. “A vida é menos viva sem criatividade. Em muitos de nós, hoje, ela está bloqueada. Mas pode ser libertada”, diz. “Ela nos empurra a assumir riscos, o que pode abrir novas portas”.
Para atrair a criatividade e aumentar a produtividade, Solis propõe um método de trabalho: ficar completamente afastado de qualquer distração – sim, sem checar seu smartphone – por 25 minutos, e depois se dar 5 minutos de intervalo. O conselho de Solis é a Técnica Pomodoro, um clássico “truque” de produtividade. Pode não parecer tão difícil, mas você já tentou ficar longe de seu celular por mais de 10 minutos recentemente? Pois é.
Alertas e críticas à parte, o futurista está longe de ser um ludista. “Eu sou otimista. Precisamos da tecnologia. Não abrirei mão do meu smartphone. O que precisamos fazer é ter bom-senso”. Pode até ser, mas boa sorte em convencer o mundo atual a ter bom-senso.
Fonte: Época Negócios - 13/03/2019