No mundo corporativo, um executivo às vezes tem de dizer a seus colegas que eles estão errados. Psicólogos afirmam que essa é uma situação tão estressante que, com frequência, o profissional dá sinais de sofrimento mental. Ele (ou ela) supõe que, ao apontar a falha de seus colegas, vai perder status. O cérebro humano, porém, interpreta qualquer perda de status como uma ameaça à sobrevivência — daí a inquietação nervosa.
Stephen Finlay, professor de filosofia na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, sabe ajudar o executivo nessa situação, pois conhece bem uma linha de investigações filosóficas batizadas de teorias de erro. “As teorias de erro são interessantes e importantes”, diz Finlay, especialista em filosofia da linguagem, autor de Confusion of Tongues: A Theory of Normative Language (sem tradução para o português). Em entrevista a VOCÊ RH, ele afirmou: “Eu jamais sonhei falar desse assunto numa revista para profissionais de recursos humanos”.
Como definir uma teoria de erro?
Segundo o modo como nós, filósofos em geral, usamos a expressão “teoria de erro”, com ela queremos dizer que as afirmações de determinado tipo são todas falsas — ou, no mínimo, que não podem ser classificadas como verdadeiras. Quando explico esse assunto para meus alunos, sigo mais ou menos o seguinte roteiro: em primeiro lugar, uma teoria de erro é sempre uma teoria de erro sobre X, sendo que X é um discurso, ou seja, um conjunto de proposições [afirmações que são verdadeiras ou falsas].
Em segundo lugar, uma teoria de erro sobre X é o entendimento de que as proposições do discurso X são sistematicamente falsas. Em quase todos os casos, uma teoria de erro diz que as proposições de X são falsas porque dependem de uma pressuposição Y, que é falsa, e que torna falso o discurso X. Alguns exemplos: uma famosa teoria de erro sobre moralidade diz que “nada pode ser moralmente certo ou errado, porque um acerto moral ou um erro moral dependem de valores absolutos, mas tais valores absolutos não existem.”
Uma teoria de erro sobre proposições religiosas diz que “toda crença religiosa é sistematicamente falsa, pela razão de que deuses não existem.” Uma teoria de erro sobre proposições matemáticas diz que “toda crença em verdades matemáticas é falsa, pela razão de que números não existem.” Há muitas teorias de erro na filosofia, por exemplo, sobre o conceito de eu, de livre-arbítrio, de raciocínio indutivo. E existem teorias de erro sobre teorias de erro específicas.
Numa corporação, de que forma um executivo pode usar o conceito de teoria de erro?
Qualquer um que proponha uma teoria de erro sobre X deve explicar por que as pessoas acreditam em X. Ele deve explicar o seguinte: como a pessoa P veio a acreditar no conjunto de proposições X, sendo que as proposições de tal conjunto são falsas? Em outras palavras, ele deve partir do pressuposto de que a pessoa P é racional e que acreditou em X por meio da razão. Por exemplo, todos nós temos um profundo desejo de que os indivíduos maus estejam objetivamente errados, isto é, que estejam errados qualquer que seja o observador, qualquer que seja o ponto de vista. E isso nos leva a acreditar que existem fatos morais objetivos. Se você disser algo assim, talvez eles aceitem mais facilmente sua teoria de erro sobre proposições morais.
É bom notar que uma teoria de erro é mais importante quando as crenças falsas que o executivo está tentando combater não são apenas as crenças de uma pessoa — mas de um grupo grande de indivíduos ou então de um conjunto de autoridades. Isso porque o ser humano tende a crer naquilo em que muitos acreditam, e também naquilo em que as autoridades acreditam. Em casos assim, é fundamental fornecer uma explicação sobre os motivos pelos quais as pessoas e as autoridades passaram a acreditar em proposições falsas.
Vale lembrar que propor uma teoria de erro sobre X pode ser perigoso se X for muito importante para a comunidade. Imagine defender uma teoria de erro sobre proposições religiosas para uma comunidade de religiosos da qual você faz parte. Você monta um argumento mostrando que Deus não existe e diz que essa conclusão torna verdadeira sua teoria de erro. Ora, é possível que você convença pouca gente da comunidade ou mesmo ninguém. Para piorar, arruma muitos inimigos, e talvez até ponha sua vida em risco.
As pessoas precisam de treinamento especial para abandonar suas crenças prediletas em resposta a argumentos logicamente sólidos?
Os psicólogos têm achado uma grande quantidade de evidências de que nossas convicções influenciam fortemente nosso raciocínio. Alguns, como Jonathan Haidt, dizem que as evidências e a lógica são quase impotentes na guerra contra aquilo em que queremos acreditar. Pessoalmente, não acho que a situação seja tão ruim. As pessoas desistem de crenças prediletas com relutância, e muito devagar, mas elas desistem. De certa forma, elas têm razão em ir devagar, pois é raro topar com um argumento válido que seja ao mesmo tempo irresistível.
Mesmo um argumento sólido raramente usa premissas convincentes — elas até podem ser verdadeiras, mas não são convincentes à primeira vista. Assim, quando alguém vê um argumento desses dizendo que suas crenças prediletas são erradas, é natural que duvide da conclusão e que passe um tempão tentando desqualificar pelo menos uma das premissas. Por exemplo, se um canal de TV apresenta notícias desabonadoras sobre um político que você apoia, você talvez suspeite de notícia falsa ou do ideário político do canal.
Contudo, todos podemos nos lembrar de ocasiões em que nós, relutantemente, abandonamos uma crença e passamos a acreditar em algo que, a princípio, desejávamos que não fosse verdade. Esse é um dos objetivos principais de minhas aulas de filosofia: eu me esforço para que meus alunos aprendam a reconhecer um bom argumento cuja conclusão eles detestam, e um mau argumento cuja conclusão eles amam. Assim, respondendo à pergunta, um bom treinamento, como o oferecido por boas faculdades de filosofia, deixa a pessoa mais receptiva a evidências e a argumentos lógicos.
Por quais motivos os indivíduos acreditam em proposições falsas?
Posso tentar uma lista bastante parcial: (1) Temos o desejo muito forte de que certas proposições sejam verdadeiras. Por exemplo, desejamos que, de alguma forma, nossa mente sobreviva à nossa morte; (2) Pensamento supersimplista: achamos que alguma coisa deve explicar as variações do tempo e do clima. Pronto!; (3) A falácia patética: achamos que algo subjetivo, como um sentimento, é, na verdade, algo objetivo, como uma propriedade que existe por si mesma no mundo.
Existe um método para compor teorias de erro?
Não que eu saiba. Mas suponha uma pessoa que antes acreditava em certo discurso e que agora vê as proposições dessa fala como sistematicamente falsas. Ela pode usar a introspecção para refletir sobre o motivo de um dia ter acreditado nessa preleção. Isso talvez seja útil. Um problema é que nem sempre conseguimos interpretar corretamente nossos próprios estados mentais. Outro, é que talvez outras pessoas viessem a acreditar nesse discurso por motivos diferentes. O certo é que, quando alguém passa a pensar mais frequentemente sobre teorias de erro, ela aprecia melhor o que realmente existe no mundo — e eu acho isso bom.
Fonte: Exame.com - 18/05/2018