Andressa Bereta tinha só 23 anos quando entrou como estagiária em uma pequena empresa de produtos para a saúde, a Apis Flora. Efetivada no ano seguinte, a farmacêutica decidiu construir sua carreira ali e auxiliar no crescimento da organização.
Enquanto ajudava a implantar inovações na empresa, como um setor de desenvolvimento de produtos, a profissional investia em sua formação com o apoio da empresa. Vinte anos depois, Andressa ocupa um cargo estratégico na companhia e, hoje doutora em Farmácia pela Universidade de São Paulo (USP), alia seu trabalho de pesquisadora à sua atuação na Apis Flora.
Com uma vida dedicada à companhia, que dobrou seu quadro de funcionários de 2000 para cá, a farmacêutica é o exemplo de um perfil profissional praticamente em extinção: as pessoas que constroem carreiras longas em um só lugar.
As passagens pelas empresas são hoje bem mais curtas e este novo cenário tem várias raízes. Uma delas é o ingresso dos dinâmicos millenials no mundo do trabalho. Eles têm muito acesso a informação, conhecem melhor as oportunidades que existem do lado de fora da empresa e, enérgicos, têm medo da estagnação. Não à toa, se estão felizes e insatisfeitos com o emprego, partem logo em busca de novos desafios.
Outro motivo tem a ver com o aumento dos contratos a curto prazo, modelo que, segundo a gerente do site de empregos Adzuna no Brasil, Veronica Cortizo, já está consolidado na Europa e só cresce por aqui. Esse tipo de redução de vínculos entre empregado e empregador é uma tendência global que influencia significativamente a composição das novas carreiras.
Empresários de si mesmos
A professora norte-americana Ilana Gershon, que estuda o impacto da tecnologia na contratação de profissionais nos Estados Unidos, defende em um de seus artigos que a quebra de um suposto pacto de fidelidade mútua entre empresa e trabalhador tem dado origem a uma geração de profissionais incluídos no que ela chama de "economia quitting". Neste sistema, os funcionários não pensam muito para deixar a empresa e partir para um projeto mais atraente. São empresários de si próprios.
Os indivíduos tendem a perder aquele compromisso firme que as gerações passadas tinham com as companhias para as quais trabalhavam – como resposta às novas estruturas de trabalho. "Eles se reinventam como meras peças comercializáveis, prontas para irem embora quando acharem conveniente", escreve a pesquisadora.
De acordo com Veronica, os profissionais passam, em média, algo entre um e dois anos dentro da mesma companhia, mas isso varia de empresa para empresa.
Ela acrescenta que, entre os millenials, há uma tendência crescente de mudar de emprego depois de um período que vai de 6 a 12 meses.
"Durante esse ciclo o funcionário aprende uma nova atividade, se aperfeiçoa, enfrenta grandes desafios, falha e se supera. É importante que, neste espaço
de tempo, a pessoa absorva o máximo do cargo em que está", diz.
Entre os altos executivos, as carreiras curtas na mesma empresa também têm aumentado. Thiago Gaudêncio, gerente da Michael Page no Paraná, explica que outro motivo determinante para isso é uma visão de cunho meritocrático que impera nas companhias nos dias de hoje. Mediante um foco em resultados, os funcionários são promovidos muito mais por performance e entrega do que por tempo de casa.
Sob essa ótica, as lideranças também não ficam muito tempo na companhia. "Assim que encontram uma oportunidade mais desafiadora, acabam indo embora", explica Thiago.
Quem trabalha em organizações com bons planos de sucessão e carreira, políticas transparentes e benefícios atrativos tem muito a ganhar quando opta por desenvolver sua vida profissional em um só lugar. Sobretudo quando estas companhias representam um terreno relativamente seguro.
Para Heloísa Capelas, especialista em inteligência comportamental do Centro Hoffman no Brasil, entre os lucros desta opção está o trunfo de poder viver em uma empresa na qual se acredita e com a qual já se está acostumado. Além disso, companhias que, hoje, retém pessoas por muito tempo, são reconhecidas desenvolver pessoas por valorizar os pontos fortes de seus colaboradores, ainda que ciente das fraquezas de cada um.
Mas a profissional alerta que, caso a pessoa esteja ali apenas por se sentir segura naquele ambiente e ter medo de alçar novos voos, esta escolha não faz muito sentido porque só paralisa o indivíduo.
Heloísa lembra que qualquer coisa que de repente afete a organização – seja um vendaval pós-crise econômica ou até mesmo uma sucessão inesperada na companhia – pode levar por água abaixo a dedicação de uma vida, então, não há caminho sem risco. "Quando você não escolhe seu rumo por puro receio, alguém acaba escolhendo em seu lugar. É preciso ter voz sobre a própria vida. Saiba sentir quando é hora de mudar", aconselha.
Fonte: Gazeta do Povo - 18/12/2017