Dar tiro no pé. Puxar o próprio tapete. Boicotar-se. Coisas que a gente até sabe que vão nos prejudicar, mas por motivos às vezes desconhecidos (ou não) acabamos fazendo do mesmo jeito. É a autossabotagem que faz você se machucar na primeira semana frequentando a academia a contragosto.
E que justifica aquele branco na hora da prova para qual estudou tanto. É ela também que explica por que aquele conhecido há anos guarda segredo sobre um negócio altamente lucrativo, mas que nunca sai do papel.
Autossabotar-se é uma espécie de mecanismo de defesa da mente, que cria circunstâncias, reais ou imaginárias, para evitar mudanças que podem trazer algum tipo de incômodo (medo, insegurança, exposição indesejada).
A atitude traz o benefício imediato de mantê-lo em sua zona de conforto e afastá-lo de conflitos, mas também impede que você avance em direção a seus objetivos e se desenvolva na carreira, o que pode trazer prejuízos à autoestima e à saúde, além da motivação e da produtividade.
E, segundo uma pesquisa da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, publicada no Journal of Experimental Social Psychology, por mais que esse tipo de comportamento não traga nenhuma vantagem, a decisão de puxar o próprio tapete envolve certo esforço mental.
Para chegar a essa conclusão, os estudiosos recrutaram 237 pessoas e as dividiram em matutinas e noturnas, levando em consideração o pico individual de disposição e a capacidade mental em cada período. Esses participantes realizaram o mesmo teste de inteligência em dois momentos (às 8 da manhã e às 8 da noite) em dias diferentes.
Antes disso, porém, tiveram sua tendência à autossabotagem avaliada por meio de questões sobre seu nível de estresse. Os resultados mostraram que a chance de boicotar-se é mais alta naqueles momentos em que o cérebro está em seu auge de atenção — e não quando está cansado ou distraído.
“Diante do medo de falhar, o engajamento mental para encontrar possíveis desculpas para o fracasso é maior quando a pessoa está no máximo de sua capacidade de pensamento”, diz Ed Hirt, coautor do estudo e professor no Departamento de Psicologia e Ciências do Cérebro da Universidade de Indiana.
O fenômeno está tão longe de ser simples que o consultor de carreira Alberto Roitman, diretor da consultoria Nexialistas, destaca que é comum o autossabotador desenvolver habilidades que protegem sua imagem e garantem a sobrevivência profissional.
“Bom marketing pessoal, oratória eficiente, extroversão e poder de persuasão são alguns exemplos. Mas isso não é suficiente para fazê-lo triunfar, apesar das limitações que se tenta camuflar”, afirma.
A autossabotagem pode até ser definida como uma “anticompetência” que resulta sempre da carência de alguma coisa — conhecimento, habilidade ou coragem para expor-se e arriscar-se.
Não se achar capaz ou merecedor, viver focado no outro e desconectado dos próprios interesses também leva a agir contra você mesmo. “É um instinto de preservação que se impõe em profissionais de todos os níveis de hierarquia e não apenas nos menos preparados”, diz Alberto.
Prova disso é a história do empreendedor Alfredo Lalia, de 49 anos, sócio da startup de seguros Original Title Insurance. Anos atrás, quando era diretor numa grande seguradora multinacional, foi boicotado pelo perfeccionismo e pela timidez, que o faziam travar na hora de comunicar-se em inglês com o chefe britânico e nas reuniões de equipe.
Mesmo falando o idioma e sendo bem avaliado pelos superiores, Alfredo achava que não era o suficiente e, para não se expor, acabava deixando de destacar-se. “Comecei a perceber que poderia perder oportunidades de uma carreira internacional, uma das minhas ambições na época, caso não superasse esse obstáculo”, afirma.
O fato de assistir a outros executivos sendo transferidos para o exterior também pesou, e Alfredo voltou a estudar. Só quatro anos depois ganhou segurança para usar o inglês no trabalho e, mesmo assim, por pressão e incentivo do gestor estrangeiro.
A partir dali, a relação com os clientes gringos fluiu, ele foi promovido e expatriado durante três anos para o México, e passou a realizar viagens mensais a Londres, onde fica a sede da companhia.
Qual o motivo?
Arrogância, ansiedade, procrastinação, excesso de proatividade, bajulação, perfeccionismo. São muitas as atitudes que podem ser colocadas em prática como métodos de autoboicote. Alguns são especialmente recorrentes no universo profissional, de acordo com os especialistas consultados para esta reportagem.
Um dos gatilhos desse comportamento é relativamente simples de ser identificado: a falta de satisfação — e de identificação — com o trabalho. “Muitas vezes a pessoa se sabota porque não se reconhece na atividade que realiza, que não condiz com seus talentos, valores e sonhos”, afirma o psicoterapeuta e coach Luiz Eduardo Lemos. “Como não sabe ou não tem coragem para reverter a situação, acaba se boicotando.”
O passo mais importante para afastar sua autossabotagem é reconhecer que o comportamento existe em você — o que só é possível olhando para dentro de si mesmo, mas pode ser facilitado com o auxílio de psicologia, coaching ou mentoria. Ouvir o feedback de amigos e colegas de trabalho também ajuda. No final, assim como outros comportamentos inconscientes, o importante é questionar os muitos porquês por trás de suas atitudes.
Fonte: Exame.com - 30/04/2019