Quando deu por si, a futurista norte-americana Elatia Abate, sócia do Fesa Group em Miami, estava tomada por assombro em meio a sua pesquisa sobre as tendências de trabalho. De posse de estatísticas da Universidade de Oxford indicando que robôs e computadores substituirão quase metade dos empregos que existem hoje, a pergunta “o que vamos fazer com toda essa gente” relampejava em sua mente.
Sentindo-se diante de uma gigantesca onda de mudanças velozes causadas pelo impacto da tecnologia no mundo do trabalho somado a alterações na força laboral e ao momento econômico, só duas opções eram possíveis.“Eu pensei, ou posso ficar aqui e me afogar ou eu posso pegar uma prancha e surfar para a ver as oportunidades que temos. Porque mudança é o que mais traz oportunidade”, conta.
Se tudo era – e é – tão nebuloso quando se fala de futuro do trabalho, ela resolveu deixar o conforto de lado e colocar-se em situação de incerteza. Deixou tudo que tinha em um guarda-móveis e passou 20 meses como nômade vivendo e conversando com pessoas e empresas que estão prontas para surfar na velocidade da 4ª Revolução Industrial. Com o seu périplo – que hoje ela compartilha em palestras mundo afora -Elatia percebeu três eixos de atitude essenciais para encarar o futuro de maneira sustentável: uma nova mentalidade que priorize a conquista de mais resiliência, a procura de capacitação para enfrentar as demandas do futuro e uma maneira colaborativa de trabalho.
Parece complicado demais? De acordo com ela, o primeiro e mais importante passo é bem simples e acessível a todos: criar o hábito de se expor a novas situações. Em entrevista a VOCÊ S/A em São Paulo, após palestrar para executivos convidados pelo Fesa Group – a especialista explicou como fazer isso na prática e deu conselhos de como pensar a carreira do (e com) futuro:
O que é ser futurista?
Eu tenho dedicado minha vida a entender as tendências do futuro e, mais importante do que a própria tendência, é pensar em como a gente traz esse conhecimento e constrói uma ponte do dia hoje para esse futuro, minimizando as dificuldades e o medo. Então, além de entender essas tendências, é colocar em ação tecnologias para ajudar as empresas e as pessoas nisso.
Como você enxerga essas tendências na prática?
Há muitos dados disponíveis e eu sou o tipo de pessoa que utilizo minha própria vida, como uma “cientista louca”. Nesse sentido eu mergulho no assunto tento fazer na vida uma experiência desse tipo. Também busco as pessoas que têm expertise em vários segmentos. Não sou expert em inteligência artificial, por exemplo, mas eu conheço muita gente que é. Agregando conhecimento de vários segmentos de mercado, previsões baseadas no passado e juntando toda essa informação a gente levanta algumas soluções.
Você defende que, para enfrentar o futuro, precisamos mudar nossa mentalidade, ser mais colaborativos e buscar novas formas de nos capacitar para enfrentar esse futuro. Qual desses três aspectos é o mais desafiador para as pessoas, segundo a sua experiência?
A mudança de mentalidade tem sido o mais difícil e é o mais importante. O que eu tenho visto é que, como as pessoas têm medo, elas não querem mudar. Então, se sabemos que vai ser mais fácil se a gente mudar, a gente começa a se colocar em situações em que temos que aprender a ter resiliência. Isso não precisa ser uma coisa totalmente louca. Se você nunca viajou para um país diferente ou para uma cidade diferente viaje. Tenha essa experiência em que você vai ter que lidar com o desconhecido. Nunca fez aula de cozinha? Vai lá e tenta porque é fortalecer esse músculo de resiliência que vai ajudar a gente com essas mudanças.
Colocar-se em situações novas é o primeiro passo que você indica?
É o mais importante e isso é acessível a todo mundo, independente de classe social. Se você nunca foi para cidade do lado da sua, em vez de pegar o ônibus para região norte eu pegue para a região sul. Só para ver o que tem lá para começar a abrir a cabeça e perceber que as regras que a gente acha que estão dirigindo o mundo são apenas um ponto de vista.
Você criou o conceito de carreira mosaico para falar de planejamento profissional. Como funciona?
Em um mundo que é cada vez mais freelancer, cada vez mais as nossas fontes de renda não vão vir de uma única fonte. E trazer todas as coisas que a gente gosta de fazer e construir com essas atividades um mosaico de pedaços diferentes cuja soma faz uma carreira única. Eu construí esse conceito assim, mas ele pode evoluir também. Dentro de uma mesma empresa, eu posso ter experiências diferentes para montar a carreira, por exemplo.
Quem está empregado numa empresa pode, então, construir seu mosaico de atividades na companhia?
Você consegue fazer isso e obter mais informação para você ou confirmar que o que está fazendo te faz feliz então continuar fazendo mais, ou para descobrir que tem mais outras coisas que poderiam ser melhores ainda e assim fazer uma mudança.
O que é essencial para os líderes entenderem nesse processo de adaptação às novas tendências?
No início da minha carreira eu achava que precisava ser expert de algum determinado assunto. Hoje eu sou uma eterna aprendiz de qualquer tema. Mesmo com toda a experiência que eu tenho, quando eu entro numa sala e vem alguém de 20 anos me falar sobre recrutamento, eu escuto. Antigamente eu diria: não, eu já sei sobre isso. Hoje escuto porque não sei todas as respostas e sempre tem alguma coisa para aprender. É sair do lugar de um “expert que acha que sabe tudo e que só a sua opinião vale”, para o de interessado em aprender. É a curiosidade.
Fonte: Exame.com - 13/03/2019