Vivemos em mundo em que a tecnologia muda e avança rapidamente, por isso quando alguém quer encontrar a solução para um problema, não basta simplesmente estudar dados antigos. Em muitas ocasiões, eles irão apenas confirmar suas dúvidas. Nesse contexto, a ficção científica pode ajudar. Quando se fala em ficção científica, talvez as imagens que passem pela sua cabeça sejam naves espaciais e alienígenas, mas o gênero oferece mais do que isso. Ao apresentar realidades alternativas e plausíveis, as histórias de ficção científica nos capacitam a enfrentar não apenas o que pensamos, mas também como e por quê pensamos. “Elas revelam quão frágil é o status quo, e como o futuro pode ser maleável”, afirma Eliot Peper, em artigo publicado na Harvard Business Review.
Por exemplo, o livro de Daniel Suarez, Change Agent, descreve um futuro próximo onde a biologia sintética irá remodelar toda a indústria. Na história, Cingapura ultrapassa o Vale do Silício, tornando-se o novo centro de inovação do mundo após um regulamento da FDA (Food and Drug Administration) fazer com que as pessoas decidam sair da Califórnia. Os personagens consomem carne cultivada em laboratório e circulam em veículos autônomos. Os bebês geneticamente modificados são o novo problema social. A história ilustra como os impactos dos avanços na biologia sintética não serão limitados a biotecnologia.
Infomocracy, escrito por Malka Older, pesquisadora de governança, explora como o software pode mudar nossas instituições públicas através técnicas selecionadas de construção social. Na história, a barreira entre as estruturas de poder político e comercial se dissolve e o livro levanta questões sobre grandes multinacionais cujos orçamentos são maiores do que de pequenos países e CEOs que têm grandes papéis como estadistas.
Em New York 2140, de Kim Stanley Robinson, o aumento do nível do mar faz Manhattan ser inundada, levando os gestores de fundos e investidores imobiliários a criar um novo índice de mercado intercontinental. A medida que a mudança climática se acelera e a economia mundial se concentra cada vez mais nas megacidades, repensar a infraestrutura torna-se prioridade. Children of the New World, de Alexander Weinstein, junta uma série de vinhetas enlouquecedoras que levam o leitor a acreditar como as mídias sociais podem mudar nossas vidas.
O livro Cumulus, de Eliot Peper, explora a vigilância, a desigualdade e a economia da internet. Os protagonistas lutam contra os impactos da consolidação da tecnologia, como vazamento de dados e a prática de responsabilidade social corporativa.
William Gibson usou o termo “ciberespaço” em sua obra de 1984, Neuromancer. O livro The Diamond Age, de Neal Stepheson, inspirou Jeff Bezos a criar o Kindle. Snow Crash, também escrito por Neal Stepheson, traz ideias sobre a realidade virtual.
Se os CEOs se baseassem em histórias de ficção científica para tomarem suas decisões, estariam sempre um passo à frente para descobrir quais inovações que estão por vir.
Apesar da ficção científica quase sempre ser sobre o futuro, também podemos dizer que ela conta histórias do presente. George Orwell terminou de escrever 1984 aproximadamente no ano que dá nome a sua obra. O fato de tantos leitores sentirem que é sobre 2017 é um testemunho do conhecimento de Orwell sobre a natureza humana e a relação sempre evolutiva entre tecnologia, poder e sociedade.
A ficção científica não é útil porque antecipa o que está por vir. Essas histórias são importantes porque reestruturam a perspectiva sobre o mundo. Como viagens internacionais ou meditação, criam espaço para questionar nossos pressupostos. A presunção derrubou a Kodak apesar de seus engenheiros terem construído a primeira câmera digital em 1975. Presumir algo é um luxo que os verdadeiros líderes não podem ter.
Mas também são notoriamente difíceis de vencer, e por uma razão muito boa: são úteis. Eles fornecem atalhos cognitivos para dar sentido ao mundo. Nos tornam mais eficientes e produtivos. O problema é que não conseguem se atualizar quando o mundo muda, e estão no nosso caminho quando podemos mudar o mundo.
É por isso que a ficção cientifica é importante para os ambiciosos. Prova disso é que empresas como Google, Microsoft e Apple tiveram escritores de ficção científica como consultores. Explorar os futuros da ficção liberta nosso pensamento de restrições falsas. Nos desafia a perguntar se estamos mesmo fazendo as perguntas certas. Nos obrigando a reconhecer que às vezes a imaginação é mais importante do que a análise.
Fonte: Época Negócios - 02/08/2017