A advogada Rosine Kadamani começou a se envolver com o tema de bitcoin e blockchain em 2014. “Teve um pico de preço, não se compara ao valor de hoje, mas saiu de centavos para US$ 1,2 mil, e comecei a ler notícias sobre o tema e me interessei”, conta ela. No começo, o caminho foi um pouco solitário. Pouca gente falava sobre o assunto ou queria se aprofundar. Em 2015, ela organizou um evento no escritório onde trabalhava para falar sobre as criptomoedas.
Rosine Kadamani
“Para mim fazia muito sentido chamar a atenção das pessoas para aquilo que eu estava vendo, que era um assunto que, quanto mais eu cavava, mais interessante ficava e mais eu percebia o potencial impacto. Em um momento, eu falei ‘gente, eu não quero ficar aqui dentro do escritório esperando as coisas acontecerem’, eu quis ser mais proativa. E eu saí do escritório para trabalhar só com isso”, diz Rosine. Em 2016, após 13 anos de experiência com direito bancário, ela fundou a Blockchain Academy, ao lado de Thiago Padovan. “O conhecimento sobre o assunto trouxe uma abertura de oportunidades, e uma grande percepção de que existe um valor muito além da especulação, existe de fato um potencial nessa tecnologia”, diz. Ela ainda falou sobre o desenvolvimento de soluções com a tecnologia blockchain, as regulações internacionais e no Brasil sobre as criptomoedas e quais as oportunidades que se abrem para as empresas.
Quando vocês criaram a Blockchain Academy e qual é o trabalho de vocês?
A Blockchain Academy é composta por pessoas que já vêm estudando esse assunto de criptomoedas e blockchain há algum tempo. Eu, por exemplo, comecei no início de 2014 a estudar isso. A gente se reuniu para começar a educar as pessoas sobre o assunto no final de 2016. É um projeto educativo multidisciplinar. Temos desde um curso introdutório para iniciantes até cursos mais profissionalizantes. E aí, a gente abre o leque dependendo do tema de interesse. Se você é uma pessoa que faz TI, a gente tem um curso que forma pessoas para desenvolver nas plataformas de blockchain. Você quer investir, a gente tem cursos para investimento, e se você quer saber mais da parte jurídica, tem curso para jurídico.
Que perfil vocês estão buscando para os alunos? São pessoas mais jovens, ou executivos?
É uma grandessíssima mistura, isso é uma das coisas mais lindas que a gente tem, e em toda aula isso fica estampado. Tem gente que trabalha com tecnologia, tem quem acabou de começar a trabalhar com tecnologia e pessoas que trabalham com tecnologia há muitos anos e tem uma carreira super consolidada. Diretores de banco estão vindo fazer aula com a gente. Advogados, alguns que estão na faculdade, outros que têm carreira estabelecida e querem aprender também. E tem os curiosos: chefe de cozinha e costureira já vieram nas aulas. Uma pessoa que trabalha com sex shop. A gente teve a oportunidade de dar aula para o Banco Central, foi um curso fechado para eles, e para pessoas da CVM e investigadores.
Você falou de CVM e Banco Central. Quais são as principais dúvidas deles normalmente?
O assunto é muito complexo. A melhor forma de entender é interagindo com pessoas que estão no mercado. Você acha muita informação na internet, mas muitas vezes não sabe por onde começar. A gente consegue fazer essa ponte, e eu acho que é gostoso ser reconhecido como uma ponte, as pessoas veem a gente com uma certa credibilidade para transmitir esses conhecimentos.
Você começou a se envolver com esse tema em 2014. O que mudou na discussão de lá até hoje?
Algumas coisas mudaram. Uma delas foi o nível de conhecimento sobre isso. As pessoas começaram a entender mais, e quando entenderam mais, criaram mais soluções em torno disso. Quando criaram mais soluções em torno disso, saiu do nicho e passou a ser mais mainstream, porque perceberam o potencial interesse do mundo corporativo. Antes, quem parecia se interessar mais eram os geeks. Além disso, a discussão tinha uma associação muito forte ao crime, e que manchou a reputação do bitcoin. O que mudou de lá para cá é que muita gente tem feito esforços para diferenciar e falar “tecnologia é ok, o problema é o que você faz com ela”. Ainda existe tabu em alguns lugares, mas eu acho que está ficando cada vez mais distante.
Hoje, as pessoas veem um valor no bitcoin, ou ainda tem muita relação com a especulação?
Sim e não. Eu acho que as pessoas já percebem mais o valor disso, mas ainda acho que o primeiro atrativo é a especulação. Isso não consigo ainda achar diferente.
Na sua visão de advogada, quais são os desafios para que o bitcoin se torne mais mainstream?
Antes de qualquer coisa, o que falta é informação. Muitas pessoas ainda não querem ouvir sobre isso, em particular pessoas do sistema financeiro. Mais que tudo, as pessoas têm que ser mais abertas. O bitcoin está virando mainstream mesmo que não queiram. Toda a questão é se você vai bater de frente com isso ou vai surfar a onda. Venho dizendo isso até para pessoas que trabalham com regulação: se você escolher bater de frente, tem grandes chances de perder. Porque você não tem como proibir milhões e milhões de pessoas de operarem com isso. Inclusive tem uma proposta de lei que propõe que as operações de troca de criptomoedas sejam proibidas. Isso só faz a gente perder tempo. Mas a gente sempre tem que ter em mente é que a regulação acompanha o business, ela nunca vai andar na frente.
E como é a regulação em outros países?
Tem uma certa variedade, mas todos os que estão conhecendo mais estão convergindo em certos pontos. O foco está na regulação das operações de criptomoedas. Estão nascendo mais normas específicas para as empresas que intermediam compra e venda de bitcoin, que são as exchanges ou corretoras. Na maior parte dos países, elas precisam de licença, precisam fazer a identificação de seus clientes, estão sendo chamadas a informar os consumidores, e a aumentar a segurança dos sites, porque essas empresas acabam sendo muito visadas por hackers. Em geral está vindo da autoridade financeira, mas sempre a conversa puxa também para o mercado de capitais, porque isso acaba sendo um investimento. E é o que eu defendo que aconteça aqui também. Uma conversa cada vez mais desenvolvida entre as duas autoridades: BC e CVM. Austrália e Canadá, por exemplo, estão deixando acontecer e focando só em lavagem de dinheiro e na parte tributária. Tem países que viram uma oportunidade e estão querendo se posicionar como um país inovador, por exemplo, Japão, Gibraltar, Estônia e Suíça.
Quais oportunidades para o futuro que você vê em ter um dinheiro global?
Empresas que existem como intermediárias para pagamentos, como Visa, Mastercard, Paypal, existem porque a gente não tinha bitcoin. Com o bitcoin, a pergunta é: qual será a função dessas empresas neste novo mundo? O bitcoin te provoca a não precisar muito de agente externo, você volta a ter uma relação pessoa a pessoa. Acho isso o mais interessante. Hoje, as maiores oportunidades estão em ser uma ponte entre um mundo de hoje e um mundo cripto. Aí tem bastante oportunidade, muito dinheiro girando, muita gente querendo entrar neste mundo.
E quais as oportunidades que a tecnologia do blockchain abre para as empresas? As empresas estão buscando entender essas possibilidades?
Estão sim. A gente está recebendo todo o tipo de empresa, mas em particular, empresas de tecnologia. Os bancos estão cada vez mais cientes que o blockchain pode impulsionar os negócios deles. E o blockchain não só como tecnologia, mas como novo modelo de negócios. Como é que eu penso meu produto, meu negócio, sendo distribuído, não centralizado? O blockchain começa a provocar um pouco a forma das organizações operarem. Hoje, as plataformas de blockchain têm uma lógica totalmente diferente dos negócios anteriores. Você tem soluções internas, mas elas costumam estar mais equiparadas a soluções que você já poderia ter hoje com outros sistemas. Quando você fala de blockchain, acaba fazendo mais sentido em uma nova lógica de negócios, em que os diferentes agentes operam de uma forma mais global, mais aberta. É uma oportunidade de se ver em um novo formato de relação.
Fonte: Época Negócios - 19/02/2018