Você já percebeu como, nas empresas, os executivos têm uma facilidade enorme em iniciar ações baseadas em conceitos novos, mas têm uma enorme dificuldade para aplicar, com disciplina, conceitos importantes, conhecidos há muito tempo? Chamo isso de “managing by best-seller”.
Funciona assim: a cada nova ideia gerencial que surge – e elas surgem a todo momento –, alguns executivos imediatamente passam a usar as novas buzz words. Mudam de discurso a cada instante, querendo parecer atualizados, mas passam a confundir a cabeça das pessoas nas companhias com conceitos “novos”, que, em alguns casos, são apenas novas roupagens de ideias antigas.
Tenho certeza que você conhece pelo menos um desses executivos e pode já ter sofrido na pele as consequências dessas mudanças constantes de metodologias na sua organização. Por outro lado, temos, muitas vezes, conceitos que surgiram há muito tempo, mas que continuam importantes e eficientes. Só que não são colocados em prática como deveriam. Caem no esquecimento ou são subutilizados.
Fazer com disciplina o que já sabemos não é visto, em geral, como algo que tenha “glamour” corporativo. Mas, em muitos momentos, só de aplicar as boas rotinas e processos gerenciais já plenamente conhecidos, mas pouco praticados, isso já daria à empresa um enorme salto em termos de gestão. “Limparia o terreno” e ganharia suporte para poder efetivamente investir de maneira sustentável em iniciativas disruptivas e inovadoras. Mas não é algo valorizado muitas vezes.
Refleti nesta semana acerca de um bom exemplo, fora do ambiente corporativo, de como é importante não perder a disciplina em processos rotineiros que dão resultados. Isso está acontecendo, por exemplo, com o atual surto de febre amarela, doença que, desde o começo da epidemia, que iniciou no final do ano passado, já gerou mais 600 casos confirmados da doença e mais de 200 mortes.
Pois bem, especialistas dizem que o surto atual é o maior desde a década de 40, quando se acreditava que a doença havia sido erradicada, pelo conhecimento dos mecanismos de propagação e de como evitar a proliferação, através de vacinação e de outros meios.
O problema foi que não houve o planejamento e o preparo suficientes, aplicando sistematicamente o que já se sabia. Grandes áreas de risco ficaram fora de programas extensivos de vacinação. Ou seja, não fizeram a lição de casa, não tiveram disciplina para, uma vez atingindo o controle da doença, manter isso sob controle. E o mal voltou com alta magnitude, como não deveria e não poderia ser.
Fenômenos similares ocorrem nas empresas todos os dias. Novos “surtos” de problemas que já tinham sido eliminados ou controlados, mas que voltam com toda força, causando enormes prejuízos, que poderiam ter sido facilmente evitados. Quem atua em grandes companhias sabe como é. “De repente”, máquinas começam a apresentar quebras frequentes. O desenvolvimento de produtos passa a atrasar sistematicamente. Os planos que antes funcionavam, agora só geram fracassos ou não dão tantos resultados como antes.
Nesses momentos, sempre surge alguém que alfineta: “tínhamos há alguns anos um processo de gerenciamento dessas questões que funcionava muito bem e prevenia esses problemas todos, mas que foram abandonados…”. É que manter a disciplina de bons processos já desenvolvidos dentro da organização, que geram resultados comprovados, dá bastante trabalho. Muitos preferem saltar de uma ideia a outra, sempre reiniciando, sem nunca aplicar integralmente nada.
Muitas vezes, ao apresentar o conceito lean – a mentalidade enxuta –, alguém me pergunta: “mas o que vem depois? Quais são as novas metodologias?”. Afinal, pensam eles, o conceito lean foi desenvolvido na Toyota entre as décadas de 50 e 80 e teve maior divulgação nos últimos 25 anos.
Eu, então, pergunto: “você já tentou aplicar em sua empresa? Teve resultados expressivos? Em geral, eles respondem que “sim”. Aí então, eu questiono: “e está mantendo com disciplina? Tem aprofundado e expandido a aplicação, de maneira disciplinada, como sistema de gestão e não apenas em pontos específicos?” Em geral, a resposta é “não”. Ou seja, já querem descobrir se tem um novo best-seller do mundo corporativo, sem nem terem aplicado para valer algo que conhecem e sabem que dá resultado.
O aprofundamento em praticar de verdade os conceitos que já conhecemos não quer dizer abandonar a busca por novas ideias. Os conceitos lean, por exemplo, mantêm os mesmos princípios fundamentais há décadas, mas vêm se renovando e se aprofundando constantemente. Por exemplo, trazendo enorme contribuição para a inovação nas empresas, através de conceitos lean para o desenvolvimento de produtos e processos, lean startups e outros.
Outro exemplo disso é o conceito de PDCA – sigla que reúne as palavras em língua inglesa plan, do, check e act –, que é uma das ideias de gestão mais poderosas e que tem perdurado por muitos anos. Difundido na década de 1950 pelo guru da qualidade Edward Deming, o PDCA é intensamente “citado” em praticamente todas as empresas, mas é muito pouco praticado de verdade. Ou é aplicado de forma bastante superficial.
Você certamente tem muitos exemplos de boas práticas gerenciais que já foram utilizadas no passado e foram esquecidas ou que são implementadas apenas parcialmente em sua empresa.
Buscar novas ideias é sempre importante, desde que se tenha um propósito claro sobre qual problema queremos resolver. Porém, muitas vezes, só de fazer bem feito o que já sabemos que dá certo trará um enorme resultado. Mas isso exige disciplina, determinação e continuidade.
Fonte: New Trade *Por Flávio Picchi, presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp - 31/05/2017